A arte de se disfarçar: Uma história das máscaras de Veneza

Nenhum lugar melhor para se disfarçar do que a cidade dos canais: Veneza. Máscaras de todas as formas, cores, tamanhos e, até mesmo, de vários preços, que fascinam os turistas e dominam suas ruas e lojas, vindas de uma antiga tradição veneziana.

As máscaras estão presentes em várias culturas, podendo ter diversos significados. Em algumas culturas, por exemplo, na egípcia, estas tinham função funerária e deviam restituir o rosto de um defunto. Em outros casos, podiam ser usadas para representar um personagem, como no teatro da Grécia Antiga.

Em Veneza, o nascimento das máscaras é intimamente ligado ao Carnaval. A comemoração do carnaval veneziano pode ser atestada desde o século XI, na época do célebre doge Vitale Falier, governante responsável por parte da decoração em mosaico da Basílica de São Marco. Porém, a festa só foi oficialmente reconhecida no próximo século.

O Carnaval veneziano vem da tradição da Saturnália, festividade romana em honra ao deus Saturno, onde o renascimento da vida e das forças da natureza, após o rigoroso inverno, era celebrado. O Carnaval veneziano medieval correspondia à época na qual os venezianos podiam se permitir divertimentos proibidos em outras épocas do ano. As máscaras permitiam seu disfarce, assim como a possibilidade de ser um outro alguém durante algumas horas. Pobres e ricos, nobreza e povo se misturavam em uma alegria ébria e colorida. Até mesmo os religiosos, disfarçados em suas belas máscaras, podiam sair livremente, expressando-se de maneira que não poderiam fazer em outras ocasiões. Uma informação curiosa é que o seu uso foi sempre proibido às prostitutas, prova da grande discriminação relativa a essas mulheres.

Em Veneza, também se usava máscaras em outras ocasiões, por exemplo, nos banquetes oficiais da República. Em algumas épocas, o governo decidiu restringir seu uso, pois ele se tornara muito frequente e, na maioria das vezes, era ligado à prática de atividades pouco lícitas e pouco cristãs.

Com a popularização desta forma de disfarce, surgem vários modelos de máscaras, representando ideias ou personagens e sua fabricação era assegurada pelos artesãos chamados “maschereri”. Já no século XI, época correspondente ao início da história do carnaval, existem registros de uma escola de artesãos especializados em fabricá-las. Os ateliers dos “maschereri” foram se multiplicando e a arte veneziana das máscaras se tornou famosa em toda a Europa. Quem poderia se esquecer da cena do filme Marie Antoniette, dirigido por Sofia Coppola, em que a rainha, o rei e seus próximos saem de Versailles, na calada da noite, para ir a um baile de máscaras em Paris?

Quanto à fabricação, as tradicionais máscaras de Veneza são feitas em papel mâché. Primeiramente, se constrói com argila o rosto que será representado. Em seguida, um molde em gesso determina a forma que a máscara terá, baseada no rosto criado anterioremente. O molde em gesso é coberto com papel mâché, mistura de papel e cola que deve secar lentamente. Depois de endurecida, a máscara de papel mâché é retirada do molde e coberta com uma fina camada de um papel especial. Finalmente, a peça é decorada, com pintura, plumas, tecidos e brocados.

Atualmente, existem diversas outras formas de fabricação, em outros materiais, tais como plástico e metal. Existem até mesmo máscaras mais econômicas, importadas da China. Porém, as máscaras de papel mâché continuam presentes por toda cidade, em pequenas lojas especializadas, que vendem as fantasias específicas que devem ser usadas com cada tipo de máscara. Uma curiosidade interessante é que, em Veneza, não somente a peça que cobre o rosto, mas, também, o chapéu e a barba postiça eram considerados parte da máscara.

Na imagem acima, estão representados a máscara e a fantasia do Medico della peste, o médico da peste. Na Idade Média, os médicos usavam uma máscara com um nariz comprido, repleto de especiarias para evitar contrair a doença, o que acabou se tornando uma fantasia de Carnaval.

As formas criadas pelos “maschereri” podem ser extremamente diversas, podendo cobrir todo o rosto ou somente parte dele. Dentre os tipos de máscara mais famosos temos o Pantalone, o Arlecchino, o Fracanapa, a Moretta, a Pulcinella, a Gnaga, a Bauta, entre outras. Cada uma representando um tipo social ou personagem caricatural. O Pantalone, por exemplo, é uma caricatura dos mercadores da época, vistos como velhos ricos e avarentos.

Apesar de esconder o rosto daqueles que as usam, as máscaras também mostram a personalidade de quem está por trás delas.

Bibliografia:

Gianni NOSENGHI, Il grande libro dei misteri di Venezia risolti e irrisolti, Roma, Newtom Compton editori, 2007.

Revisão textual: Patrícia Araújo

Imagem de capa: Aline Pascholati

2 comentários sobre “A arte de se disfarçar: Uma história das máscaras de Veneza

Deixe um comentário