OBRA DE ARTE DA SEMANA | Amendoeira em Flor, de Vincent Van Gogh

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O quadro Amendoeira em Flor (Almond Blossom) (1890), de Vincent van Gogh, é parte de uma série de pinturas que o artista fez com esta espécie botânica. O fato interessante em torno dessa pintura é que ela foi feita por Van Gogh como uma celebração à vida. Em 31 de janeiro de 1890, Theo, irmão do pintor, escreveu a ele informando que seu filho havia nascido, a quem ele chamara de Vincent Willem, em uma homenagem ao irmão. Com essa notícia, Van Gogh criou a pintura, que consiste nos galhos poderosos da amendoeira florindo em um fundo turquesa simulando o céu. Há dúvidas se o quadro foi posto durante décadas acima da cama do casal ou perto do piano na casa de Theo.

A amendoeira floresce bem cedo em algumas regiões, e é a primeira a anunciar a chegada da Primavera ainda no início de fevereiro. Mas a escolha por essa flor tem grande simbologia. Sabe-se que Van Gogh tentou a carreira de pastor na juventude, tendo uma vida toda em um seio familiar fervorosamente religioso. No texto bíblico, a amendoeira possui algumas menções. No hebraico “shaqad” é velar, e “shaqed” significa amêndoa. Com esta semelhança, no texto bíblico existe a seguinte passagem: “Ainda veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Que é que vês, Jeremias? E eu disse: Vejo uma vara de amendoeira. E disse-me o SENHOR: Viste bem; Porque eu velo sobre a minha palavra para cumpri-la.” (Jeremias 1:11-12). Isto é, neste contexto, a amendoeira simboliza o ato divino de velar, vigilar e proteger, conhecida também como a “despertadora”, por ser a primeira a anunciar a Primavera.

A pintura possui um frescor de vida nova em cada um dos galhos pintados pelo artista. Esses galhos são feitos em verde, mas com contornos grossos de tinta escura, enquanto os galhos menores que erguem as flores ganham contorno de verde. Quando observado o conjunto, esta composição torna tanto as flores quando os galhos menores mais iluminados e grandiosos, em contraste com os galhos escuros. Para apresentar a rigidez do galho principal, Van Gogh escolheu fazer pequenos círculos que mostram como a madeira é incongruente. Neste galho retorcido e com estes círculos contornando o galho, conseguimos notar o crescimento das flores não de forma chapada, mas tomando certa dimensão dos galhos mais curtos e os mais longos. Van Gogh também adicionou manchas com bastante tinta em verde-água para representar as veias da madeira no galho principal.

As flores, por sua vez, são apresentadas tanto com os botões fechados, quanto pela grandiosidade daquelas que acabaram de anunciar o nascimento. Em branco e amarelo suave, as flores se espalham com extrema delicadeza pelos galhos retorcidos. Algumas delas estão com contornos em vinho, para destacar os botões fechados das flores abertas. Esse destaque em vermelho com o contorno feito por poucos traços mostra que esses botões também são uma espécie de rascunho do que virão a ser, flores completas.

O japonismo em Van Gogh se reflete a partir do fascínio que tomou a segunda metade do século XIX. A procura do pintor por essa abordagem era sobretudo pela serenidade do japonismo. “E não poderíamos estudar arte japonesa, parece-me, sem ficar muito mais feliz e alegre, e isso nos faz retornar à natureza, apesar de nossa educação e nosso trabalho em um mundo de convenções”. O estudo do japonismo era carregado de idealizações sobre o exótico mundo longínquo, pelos olhos do Ocidente. Aliadas às observações que Van Gogh já fazia das flores e da natureza, em geral, o quadro Amendoeira em Flor faz lembrar também as encantadoras cerejeiras, que anunciam a Primavera no Japão.

Mais dois exemplos entre as pinturas de Van Gogh com estas flores são Ramo de amendoeira em um copo e Ramo de amendoeira em um copo com um livro, ambas de 1888, onde percebemos a potência da composição que viria mais tarde com a obra dedicada ao sobrinho.

Há também o quadro Flowering Plum Orchard (after Hiroshige) (1853-1890), pintura em que notamos o claro exercício de Van Gogh em recriar o japonismo baseando-se na obra de Utagawa Hiroshige, Plum Garden in Kameido. Na sua versão, Van Gogh intensificou o vermelho e azul do original.

File:Vincent van Gogh - Bloeiende pruimenboomgaard- naar Hiroshige - Google Art Project.jpg
a versão de Van Gogh
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o original de Hiroshige

Diante dessas obras, notamos que a proximidade de Van Gogh ao japonismo tinha também uma perspectiva muito pessoal de se encontrar em paz entre a natureza. Pensando em sua obra como um conjunto, Van Gogh conseguia ver os fenômenos da natureza como se levantasse o véu que havia diante deles, expondo um vislumbre da verdade por entre essa magia em habitar o mundo. E foi com esse olhar que Van Gogh tornou a Amendoeira em Flor uma consagração ao sobrinho de não apenas a serenidade que ele tanto buscava, mas uma celebração da vida que retorna a cada fim de inverno.

Como curiosidade, neste vídeo vemos o neto de Vincent Willem, o sobrinho homenageado com a pintura por Van Gogh, visitando a obra no museu

 

Referências bibliográficas

Van Gogh Museum 

 

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6 comentários sobre “OBRA DE ARTE DA SEMANA | Amendoeira em Flor, de Vincent Van Gogh

  1. Ontem visitei em Madri onde resido um dos parques mais belos quando florescem os amendoeiros e acabo de ler o texto sobre a obra de Van Gogh, só posso dizer que me emocionei tanto!
    Também estive na Holanda visitando um filho que viveu lá por um tempo e amei aquelas terras!
    Tudo me evoca emoção e ternura!
    Tenho o coração cheio de sentimentos, de lembranças e um nó na garganta.
    Obrigada pela análise, por aproximar-nos ao artista e pelas informações!

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    1. oi Ana Lúcia! Fico muito feliz em saber que gostou de ler a análise que escrevi do quadro do Van Gogh, e que foi uma experiência emocionante associar com amendoeiras. Aproveite muito esses momentos de poder ver natureza e obra de arte, são preciosos!
      um abraço!

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