Ao contrário do que muitos pensam, a profissão do curador existe há séculos e não se restringe somente à organização de acervos (ARANTES, 2014). Entretanto, pode-se verificar, a partir da história das exposições de arte, iniciadas no período renascentista, uma constante modificação no papel do curador de arte:
O curador deixa de atuar apenas como conservador-chefe de museus, passando a realizar também projetos curatoriais independentes, imprimindo muitas vezes uma visão autoral às mostras. Percebe-se, nesse sentido, um deslocamento, ou uma convivência, da figura do curador […]. (ARANTES, 2014, p. 60)
É importante salientar essa transição na função do curador, transformado em mais do que um mero chefe de museu. Tal mudança aconteceu por necessidade, de maneira inconsciente, de agregar atribuições distintas. É interessante constatar que essa alteração não foi imposta, uma vez que o profissional foi adquirindo encargos em suas funções, estabelecendo, também, novos parâmetros para seu próprio ofício. Arantes (2014) ilustra a passagem do curador conservador-chefe de museus:
[…] com preocupações a respeito da permanência e integridade das coleções – para o curador, que se articula dentro de exposições temporárias, incorporando outros espaços e formatos expositivos e imprimindo, muitas vezes, um caráter autoral ao seu exercício. (ARANTES, 2014, p. 60)
Além das exposições temporárias, que administra nos mínimos detalhes, o curador passa, então, a ser uma espécie de “curador-artista”, tornando-se cada vez mais indispensável nas mostras. Os estudos sobre o curador como um artista são extremamente atuais, com crescente interesse em serem desenvolvidos. Pelo exercício curatorial, o profissional da curadoria de arte consegue exprimir ideias, conceitos e uma estética interpessoal. Destarte, Cintrão (2010) afirma que
A maneira de mostrar uma seleção de obras de arte reflete diretamente na curadoria de qualquer exposição, pois é por meio da montagem, além, naturalmente, das obras selecionadas, que o curador vai expor suas ideias. Seja estabelecendo relações formais ou conceituais entre as peças expostas, seja localizando-as de forma estratégica no espaço […] (CINTRÃO, 2010, p. 15, grifo nosso)
Tal seria a definição de “curador-artista”, a qual se difere de “artista-curador”, outra nomenclatura, denominação para o artista que faz a curadoria de sua própria exposição. Por exemplo, Marcel Duchamp age como “artista-curador”, que passou a integrar exposições independentes, sendo chamado, também, para organizar eventos artísticos (ARANTES, 2014).
Um fato importante a ser mencionado, pois contribui com a presente discussão, é o comportamento do museu de arte também ter sido modificado, sendo o motivo primordial das transformações na profissão do curador, uma vez que a relação entre a obra e o público estreitou-se, principalmente com a arte moderna e contemporânea. O espaço museal passou a perder a áurea de “templo”, para ganhar conotação de “fórum”, promovendo uma dialética artística entre o público, a obra e o artista (ZANINI, 2010).
A partir dos anos 1960, o papel do curador, no meio artístico, ganha notoriedade no que diz respeito à “[…] formação, produção e disseminação de uma exposição […].” (ARANTES, 2014, p. 61.). No entanto, com a progressão do mercado de arte, nos anos 1980, a profissão do curador é expandida. Portanto, Considera-se que a atividade do curador foi consolidada, de fato, no século XX, principalmente com as características contíguas dos dias atuais.
Com relação ao fenômeno do caráter autoral, assumido pelo curador nas exposições, nota-se que essa particularidade só é desenvolvida em megaexposições, grandes eventos artísticos, como as bienais, nos quais a figura do curador se torna imprescindível (ARANTES, 2014). Por outro lado, é importante atentar para o fato de que
[…] a expansão da prática curatorial trouxe consigo a incorporação de novos formatos e circuitos expositivos, muitas vezes em sintonia com parâmetros existentes na própria produção artística: curadorias em processo, curadorias que se manifestam em outros circuitos para além do espaço expositivo institucional, curadorias colaborativas, curadorias em rede, são alguns dos exemplos que poderíamos elencar. (ARANTES, 2014, p. 60, grifo nosso)
Esses são apenas alguns exemplos de novos formatos e circuitos expositivos, incorporados, gradativamente, à prática artística. Fica evidente, enfim, em todo o processo histórico, através do qual a curadoria de arte foi se desenvolvendo, de modo a possibilitar cada vez mais ramificações nas atividades do curador como agente de exposições. Hoje, denomina-se curador o profissional que dirige a organização de uma exposição, supervisionando cada detalhe, comandando uma equipe curatorial (ALVES, 2010). Entretanto,
Trata-se de um campo interdisciplinar que envolve noções conceituais, reflexão, tomada de partido, arquitetura, produção, montagem de exposição, design de interiores e gráfico, contabilidade, iluminação, conservação, setor educativo, editoração e publicação. (ALVES, 2010, p. 44, grifo nosso).
A interdisciplinaridade é um elemento fundamental na curadoria de arte, visto ser necessário reunir diversas áreas do conhecimento, como as supracitadas, para a exposição, de fato, ser consolidada. Por esse motivo, qualquer exposição, mesmo tendo o curador como “norteador”, é produto do trabalho coletivo de um grupo em prol de um objetivo comum (ALVES, 2010).
A curadoria é mais do que um simples ato organizacional, pois o curador deve “[…] compreender e relacionar o trabalho de arte, senão na história da arte, numa sequência de outros trabalhos ou no contexto de uma discussão atual.” (ALVES, 2010, p. 44) Ou seja, a relação com a história da arte é vívida e consciente no exercício da curadoria, na qual o profissional central dessa atividade precisa possuir um pensamento reflexivo acurado, além de um vasto conhecimento artístico, para a curadoria cumprir seu papel, com valor significativo.
O curador é um profissional que, como o artista, também tem direito à liberdade de pensamento, de expressão, mas que deve obrigatoriamente fazer uso público de sua reflexão […] O uso público da reflexão pelo curador deve ter um sentido que, indiretamente, esteja ligado à história e à vida política. (ALVES, 2010, p. 45)
Dessa maneira, percebe-se a relevância do papel do curador na arte contemporânea, afinal ele é o sujeito que incide, determinantemente, na relação entre a obra e público. Esse profissional “[…] retoma os sentidos instituídos de um trabalho para reinventá-lo, pensar a partir dele.” (ALVES, 2010, p. 46). Em conclusão, é possível compreender o papel do curador
[…] não como aquele sujeito que constitui o mundo e dá sentido a ele e à arte, mas como um profissional cuja ação pode ser instituinte no sentido em que abre um acontecimento que está por vir e assim possibilita uma série de outras experiências que podem formar uma história. (ALVES, 2010, p. 45)
O aprendizado está intrinsecamente ligado ao contexto curatorial, visto que o curador, no exercício de sua profissão, promove experiências e precisa vivenciar constantemente a arte. “Em vez de criar outro trabalho de arte como faz o artista, o curador deve atuar como alguém que tem experiência viva no interior do trabalho, que suscita outras experiências.” (ALVES, 2010, p. 45) O curador relaciona todo o trabalho artístico, situando-o na história da arte, e propõe, ainda, uma experiência significativa entre a obra e o público.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Cauê. A curadoria como historicidade viva. In: RAMOS, Alexandre Dias (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010. p. 43-57.
o Artrianon e não paga nada a mais por isso).
ARANTES, Priscila. Curadoria, história e arte contemporânea. In: CARAMELLA, Elaine; ARANTES, Priscila; RÉGIS, Sonia (Org.). Arte: história, crítica e curadoria. São Paulo: EDUC, 2014.
CINTRÃO, Rejane. As montagens de exposições de arte: dos salões de Paris ao MoMA. In: RAMOS, Alexandre Dias (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010. p.15-75. o Artrianon e não paga nada a mais por isso).
ZANINI, Walter. Novo comportamento do Museu de Arte Contemporânea. In: RAMOS, Alexandre Dias (Org.). Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010. p. 59-64.
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Imagem de capa: Fotografia da autora