Crônica 1º lugar no Prêmio Yoshio Takemoto 2023
Associação nipo-brasileira Nikkei Bungaku do Brasil
Se eu cavar fundo, bem fundo, chego ao Japão.
A terra do sol nascente, para a criança que há em mim, foi, e ainda é, um mundo fantástico. Está na outra ponta de um arco-íris subterrâneo, onde criaturas mágicas vivem e erguem-se relevos lúdicos e únicos – montanhas pontiagudas cercadas por nuvens rosas, prédios de ouro guardados por dragões sem asas.
Uma ilha mágica, avançada em tecnologia, reduto ainda de samurais embebidos em honra, ninjas que espreitam das árvores, fantasmas e seres sobrenaturais, monstros, que emergem-se dos mares como Godzillas, descem dos céus como Daileons, descansam embaixo das urbes como EVAs.
Os irmãos do outro lado do mundo podem não compreender o quanto a cultura deles fez parte do passado e compõe o caráter dos brasileiros nascidos nos anos 90. Não há um que não quis ter sua própria armadura, de ouro ou de bronze, e batalhar junto a Atena e correr casa após casa pelas escadarias do Santuário.

Não há um que não quis conjurar, na ponta do dedo indicador, o seu próprio Reigan, ou rasgar a película que separa o mundo dos homens e dos yokais com uma espada luminosa, repleta de chi, cantando, a cada golpe, “arigato gozaimasu”. Não há criança que nunca correu como Naruto; não há um que não canalizou sua Genki Dama ou seu Kamehameha, ou, então, passou minutos repetindo os gestos circulares do Hadouken.
Quantos aprenderam a história do Japão com Battousai, o Retalhador? Quantos não saíram de casa, com boné e mochila, ansiosos por capturar o seu primeiro pokemon? Quantos não chegaram até a aprender alguns ideogramas tentando compreender os diálogos intermináveis de Final Fantasy? Quem nunca proferiu as frases de efeito de Black Kamen Raider, Jiraya, Ultraman Tiga ou Jiban?
Ando pela minha casa e me deparo com caixas de mangás; nas minhas playlists estão canções de abertura de animes; vagando dentro de mim mesmo, às vezes, deparo-me com condutas de honra e filosofias de vida advindas de códigos samurais; sempre, ao ver a bandeira do Japão, sinto uma certa familiaridade, mas, mais do que isso, o fantástico: a ilha do leste é minha Nárnia, é minha Terra-Média; suas casas tão características são minhas Hogwarts; o zen é meu estilo de vida; a figura dos seus heróis são meus símbolos de poder e de sabedoria.
Mesmo adulto, o Japão vivem em mim. Durmo, e em meus sonhos encontro Chihiro e Totoro; a imagem do Paraíso, para mim, tem corredores de cerejeiras; penso em exemplos, e, à minha frente, descem frases dos livros de Murakami; recordo-me de minhas tardes da infância, e, de imediato, ouço a voz do Mario Bros; o universo, no plano de Deus, foi rascunhado em ukiyo-e; se vejo o mar, sou um pirata de One Piece; minha meta de vida é reunir as sete esferas do dragão; diariamente, o som de algum anime abre em mim aquele círculo vermelho, que começa no meu peito e termina na boca do vulcão do Monte Fuji – e, no meu caso, eu nem preciso cavar tão fundo assim.
Sou um otaku, nem que pseudo, irremediável. Não tem jeito. Cavando, do Japão até o outro lado do mundo, qualquer um cairá dentro de mim. O Japão é o meu mundo de fantasia, onde sempre quis morar e me faz bem: um castelo sobre um barco de origami navegando num céu de lamén. Minha vida é um cosplay.

Fonte das imagens:
https://pixabay.com/pt/illustrations/paisagem-natureza-c%C3%A9u-jap%C3%A3o-8039236/
https://pixabay.com/pt/illustrations/jap%C3%A3o-pessoas-campos-de-arroz-264250/
https://pixabay.com/pt/illustrations/aceno-japon%C3%AAs-monte-fuji-5265257/
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