A busca pela perfeição no jazz no longa ‘Whiplash’ de Damien Chazelle

Em Whiplash estamos como que imersos nas águas de um rio onde se pode ouvir tudo e ao mesmo tempo não se ouve nada ao redor. O filme de Damien Chazelle estabelece algumas discussões que consideramos necessárias a essa prosa. No entanto, é importante notar as variações do próprio título da obra. Ora, a palavra “whiplash” pode ser traduzida por “chicotada”. Essa dimensão resta evidente no filme em questão. Vemos ali um aluno, Andrew (Miles Teller), totalmente aficionado pela bateria e com gana para se tornar o melhor baterista. No meio de seu caminho, as pedras. Aparece um maestro que se tornara seu professor, Terence Fletcher (JK Simmons). A caminhada não seria simples. Mas falemos das pedras.

O caminho de um jazzista, por certo, não poderia ser algo que não esteja pautado por um rigor no ouvido, nos trabalhos e na dedicação. Já sabemos desde há muito que da inspiração buscamos talvez uns 10%, o resto vem mesmo com a transpiração. Mas diante destas evidências do sucesso, temos algumas indagações. Em primeiro pensamos no método empregado pelo maestro, necessitara assim de utilizar o título do filme em sua literalidade e tratar seus alunos sob vara? A chicotadas? A marca da batida cria a perfeição? E ainda, qual perfeição? Aquela que mostra um maestro com a batida perfeita sendo executada pela sua banda? Estamos a falar de afinação ou ego? A relação de senhor e escravo pode ser vista ali: onde o aluno tem que ser o melhor escravo, preso e açoitado pelo mestre do whiplash? Estariam alienados na busca da batida perfeita tanto o aluno que se quer o melhor, quanto o mestre que necessita do aluno para se colocar como tal? O mestre quer algum dia ser superado?

Whiplash tem um ritmo que nos conduz a uma reflexão interessante. Essa busca pela batida perfeita, aliada a um espírito de rivalidade por um lugar na banda, estariam a evidenciar a face mais crua do pensamento e da construção de uma subjetividade capitalista. O erro não é perdoado. O melhor sempre vence. Na selva do som o melhor obnubila o outro. Aliás, a alteridade é questão interessante a ser pensada aqui. Talvez por ser um elemento esquecido na composição da banda perfeita. O jazz é música de pessoas que não sentem o outro? Ou o outro do jazz só pode ser ele mesmo? O jazz então como a música perfeita, o próprio kairos grego representado em acordes? A matemática do kosmos representada em acordes? Estaríamos ante uma música délfica? Essas indagações podem se representadas por essa película. Andrew abdica de uma possível namorada pela música. A música não se misturaria. A perfeição do acorde pede sangue. Como uma entidade do candomblé. Feito o deus cristão que roga por sacrifícios. O jazz requer amor único. Quer sangue. Por vezes, como na narrativa podemos ver, requer a morte. Como o aluno de Fletcher que se suicida e tem sua música reconhecida pelo mestre em um dos ensaios. A precisão grega afastada da hybrys. A retidão que afasta as pulsões. Seria o jazz uma música socrática? Ou mesmo aristotélica, no sentido de que a repetição das ações constrói o caráter do humano, e assim, a prática levaria à batida perfeita? Mas a pureza do jazz necessita do sangue?

A banda Metallica possui uma canção com esse nome: Whiplash e em um dos versos canta: “Adrenalina começa a fluir / Você bate em tudo em volta / Agindo como um maníaco / Chicotada”. Por evidente que a sonoridade do filme não tem nada com o som do Metallica. A chicotada aqui não é a mesma de Fletcher. No entanto, há uma relação interessante. Talvez mais que ideologia, poderíamos falar em êxtase. É uma palavra importante para a dimensão que buscamos nessa prosa. O Metallica cria essa catarse e é capaz de cantar para uma plateia que age como maníaca. Andrew por vezes age como tal. Há uma alienação do músico na sua própria musicalidade. Isso pode ser criticado política e filosoficamente, mas é aceito no hades como chave de acesso. Os deuses nietzschianos deveriam dançar. Os do jazz, ouvir. O jazz é um som de alteridade, pois ele requer ouvido aguçado. Isso não retira o viés capitalista do filme. A arte está ali a pari passu com a competição. A arte nessa dimensão torna-se objeto e mercadoria? Competir é também maneira de fazer arte? Quando Andrew deixa sua garota e opta pela música estaria a dar uma resposta autêntica à maneira de Heidegger? Estaria Andrew a aceitar sua tragédia? A dor sempre foi rainha do samba. A dor talvez seja também mãe do jazz, oriundo de uma relação misturada com o pai improviso.  Se “o amor é estar-se preso por vontade”, o jazz também. Que seja feita a sua vontade. Aqui na terra e nos céus, enquanto houver: jazz!!!

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