Meus estudos de História permearam as Guerras Mundiais e sempre me mantive ciente das atrocidades que aconteceram nessas épocas sombrias. Todo enfrentamento militar tem suas péssimas consequências – o interesse político que não só dizima seus homens em campo, destrói famílias, põe fim em sonhos. Há muito mais: o obscuro instinto animalesco e imoral desperto nestes acontecimentos.
Hoje, diante das guerras que somos contemporâneos, nos assustamos, indignamos e desesperamos pelos civis que estão à mercê dos acontecimentos mais trágicos, que parecem tão inaceitáveis em tempos modernos.
É com extrema dor que me lembro de matérias sobre as mulheres de Aleppo, na Síria, onde as famílias pediam aos lideres religiosos para matar suas filhas, esposas, mães e irmãs para evitar o sofrimento do estupro pelo exército.
Mas a história de abuso sexual já vem há muito tempo fazendo suas vítimas.
Algumas semanas atrás, a disputa diplomática entre a Coréia do Sul e o Japão aumentou quando uma estátua comemorando as “mulheres de conforto” (ou mulheres de alívio) foi instalada em Busan, perto do Consulado Japonês, na Coréia do Sul.
“Mulheres de conforto” é um nome eufemístico dado ao grupo de centenas de milhares de meninas e mulheres (coreanas e japonesas, principalmente, estimadas entre cinquenta e duzentas mil) que foram detidas nas “estações de conforto”, como escravas sexuais em bordéis militares japoneses durante a Segunda Guerra Mundial (1931-1945).
O Japão respondeu à instalação da estátua suspendendo discussões sobre um acordo bilateral de troca de moeda com a Coréia do Sul. A crise diplomática não é apenas uma fenda histórica reaberta entre dois países com um passado traumático. Ela revela uma luta atual entre os direitos humanos individuais e a política do Estado.
Não é a primeira vez que tal estátua desencadeou um problema nestas relações. Existem outras; uma delas erguida em 2011 perto da embaixada japonesa em Seul, por seus cidadãos.
A estátua de Busan marca o local, construído para marcar a milícia exigindo que o Japão assumisse a responsabilidade, onde as coreanas e seus apoiadores se reuniram todas as quartas-feiras desde 1992. O Monumento da Paz, como é conhecida a estátua em Seoul, lembra estes dias e inspirou a construção de estátuas similares ao redor do mundo – e agora, em Busan.
Em dezembro de 2015, Tóquio fechou um acordo com Seul afirmando a “resolução final e irreversível” da questão das “mulheres de conforto”, e respondeu amargamente, pedindo sua remoção dos Estados Unidos e de outros lugares.
Segundo o acordo, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe fez um pedido de desculpas àqueles que “sofreram ferimentos físicos e psicológicos incuráveis como mulheres de conforto” e o Japão concedeu um bilhão de ienes a um fundo sul-coreano para ajudar as ex-mulheres de conforto.
Em troca, a Coréia do Sul reconheceu a preocupação do Japão com a estátua em Seul e indicou que “resolveria” a questão de maneira apropriada.
No entanto, muitos foram rápidos em criticar o acordo, que foi fechado pelos dois governos sem consultar as vítimas. Não havia um reconhecimento japonês de responsabilidade legal, nem proporcionava uma compensação direta às vítimas individuais.
Assim, o memorial foi transformado em um local de luta de poder geopolítica.
Para os sobreviventes e seus seguidores, a estátua é uma demonstração de resistência a um acordo que nunca aceitaram. Seul enfrenta um dilema: está sob pressão do Japão para remover a estátua e de seus próprios cidadãos para mantê-la.
No entanto, apesar da distorção política, a maioria das pessoas não vê o memorial como um objeto para desonrar o Japão, mas como um símbolo de reconhecer os sofrimentos humanos, que não devemos e não podemos esquecer.
A sobrevivente Park Rae-Sun relatou o que ela não esqueceu. Em 1941, ela foi levada de sua cidade natal Gyeongsang do Sul (Coréia do Sul) para Fushun, na China, com mais trinta meninas e mulheres coreanas, enquanto a guerra acelerava. Disseram-lhe que as mulheres estavam sendo “recrutadas” para trabalhar na cozinha, lavanderia e enfermagem. Quando chegaram, foram detidas em um recinto murado perto de um quartel militar.
“Eles nos arrastaram para camas violentamente e nos estupraram”, lembra Park. “O complexo foi preenchido por sons caóticos: choros, praguejamentos, lutas, roupas rasgando e risos lascivos. Meninas que resistiram à violação foram espancadas e seus corpos inteiros estavam cobertos de contusões. Isso foi dia 16 de março de 1941, um dia de humilhação que eu nunca esquecerei.”
Park foi estuprada várias vezes ao dia. Um ano depois, ela foi levada para um navio de guerra para o sul da China e confinada em uma estação de conforto com outras mulheres recrutadas na Península Coreana, Taiwan e Sudeste Asiático.
Foram forçadas a servir as tropas japonesas dia e noite, até em lugares remotos para “confortar” os soldados. A tortura sexual nestes locais foi particularmente brutal. Os soldados estupraram as mulheres uma após a outra, sem cessar. A provação continuou até agosto de 1945, quando o exército japonês foi derrotado.
Muitas das “mulheres de conforto” não sobreviveram para nos dizer o seu sofrimento. O memorial é um símbolo de centenas de milhares de vidas destruídas pela guerra. A situação das mulheres nos ensina lições profundas sobre violência sexual relacionada a conflitos.
No mundo de hoje, quando a violência sexual continua a ser um instrumento de conflitos armados, a memória dessas escravas sexuais constitui um legado de significado global.
Se a estátua de Busan permanece ou não, a memória das “mulheres de conforto” continuará a educar-nos e as futuras gerações, promovendo esforços transnacionais para prevenir crimes contra a humanidade.
Fontes:
http://www.scmp.com/week-asia/opinion/article/2061990/why-koreas-comfort-women-must-be-remembered
Estátuas das Mulheres de Conforto pelo mundo: http://peace.maripo.com/p_comfort_women.htm