Irmãos de Limbourg, Barthélemy d’Eyck, Jean Colombe, Les Très Riches Heures du Duc de Berry, tempera e folha de ouro sobre papel velino medindo 29X21cm, século XV. Encadernação do século XVIII. Conservado no Musée Condé no Château de Chantilly, Chantilly, França.
Les Très Riches Heures du Duc de Berry – As Riquíssimas Horas do Duque de Berry, em português – é um dos manuscritos iluminados mais famosos do mundo. Ele foi encomendado pelo duque que lhe empresta o nome, Jean ou João de Berry, aos irmãos de Limbourg, Paulo, Hermann e Jean, em 1411. Entretanto, tanto o nobre, quanto os três irmãos foram vitimas da peste e morreram em 1416. A execução da obra ficou paralisada até os anos 40 do século XV, quando houve a contribuição de Barthélemy d’Eyck, que trabalhava para a família de Anjou. Quarenta anos depois, mais uma etapa do trabalho foi realizada por Jean de Colombe a pedido de Carlos I, duque de Savoia. O manuscrito nunca foi verdadeiramente finalizado, e sua encadernação atual, é, na verdade, do século XVIII.
O manuscrito é um livro de horas, expressão que se refere a uma espécie de imitação laica dos livros canônicos religiosos nos quais as orações devidas a cada hora do dia se organizavam. A moda iniciada no século XIII se tornou extremamente popular nos meios burgueses e aristocráticos, e, assim, os manuscritos eram ornamentados de acordo com a fortuna daquele que o encomendou. O exemplar do qual falamos é fruto da encomenda de um dos mais importantes e ricos mecenas de sua época, sendo assim de uma riqueza de detalhes e qualidade impressionantes. Esse tipo de manuscrito recebia ornamentação colorida e pinturas em suas iniciais e margens decoradas, além de pinturas maiores representando cenas principalmente religiosas ligadas ou não aos seus textos. Essas imagens eram chamadas de miniaturas, o qual o nome deriva de minium, um pigmento de óxido de chumbo de cor avermelhada. O objeto era criado em um atelier unido escribas, pintores de miniaturas e de decorações. No caso de Les Très Riches Heures du Duc de Berry, os historiadores diferenciam as mãos de pelo menos 15 artesãos diferentes. Os Limbourg eram os chefes do projeto inicial e definiram sua organização, parcialmente seguida pelos artistas posteriores. É possível, inclusive, que o próprio duque, como culto mecenas apaixonado por belas obras, tenha tido um papel importante em sua concepção.
Les Très Riches Heures du Duc de Berry, salmos 213 e 124.
É certo que o ciclo da Paixão do Cristo, os meses de janeiro, abril, maio e agosto foram pintados pelos idealizadores iniciais do projeto, além de outras oito miniaturas de página inteira que fazem parte da obra: O Homem Anatômico, O Paraíso Terrestre, O Encontro dos Magos, A Adoração dos Magos, A Purificação da Virgem, A Queda dos Anjos Rebeldes, O Inferno e O Mapa de Roma. Entretanto, algumas delas podem ter sido retocadas posteriormente pelos finalizadores do livro. Os historiadores estão certos de que o chefe do atelier era Jean, mas a maneira que eles repartiam as tarefas entre si ainda não é clara. A riqueza da execução, o gosto pelo detalhe bem elaborado e a qualidade superior das miniaturas, sobretudo as realizadas pelos Limbourg, tornam o Les Très Riches Heures du Duc de Berry um trabalho excepcional e superior a outros da mesma época. Essas características atestam a origem dos irmãos, nascidos em Limbourg nos Países Baixos, lugar conhecido pelos pintores detalhistas, como, por exemplo, Jan van Eyck.
O Homem Anatômico: A imagem relaciona o microcosmo (homem) ao macrocosmo (universo). O homem e a mulher dentro da mandorla com os signos do zodíaco representam os dois princípios psíquicos fundamentais, enquanto que os signos sobre seus corpos se referem à medicina astrológica.
O Paraíso Terrestre: A Criação, o Pecado Original e a Expulsão de Adão e Eva do Paraíso são representados nessa miniatura. Ainda temos o detalhe da fonte do paraíso, ao centro da composição, que daria origem aos quatro rios da Terra – o Tigre, o Eufrates, o Ganges e o Nilo.
A Queda dos Anjos Rebeldes
O Inferno
O calendário
As miniaturas do calendário ficavam no verso de uma lista com os nomes dos santos festejados em cada mês, com suas respectivas datas e preces. O inabitual, entretanto, é que as pinturas ocupem a página inteira do verso da folha, sendo que normalmente, em outros livros, elas ocupavam somente parte dela.
No alto das páginas, há uma composição bastante parecida em todas as páginas do calendário, com um arco com indicações astrológicas, o signo correspondente ao período – em latim – e um carro solar. As cenas representadas abaixo dessa primeira faixa também não tem ligação com a religião. São imagens ao mesmo tempo quotidianas e idealizadas. Tipicamente, os calendários mostram os trabalhos relativos a cada mês, em sua maioria, ligados ao cultivo da terra. Eles mostram a vida do homem ritmada pela natureza; a repetição infinita das estações que dividem o tempo terrestre. Porém, alguns meses mostram somente os camponeses e seus labores, enquanto outros – todos os realizados pelos Limbourg – colocam, em primeiro plano, personagens nobres ricamente vestidos realizando atividades próprias à aristocracia, se opondo assim, até mesmo na delicadeza de seus traços, aos camponeses. Dentre eles, pode-se reconhecer o comanditário da obra, vestido com um manto azul com flores de lis douradas, armas do duque e símbolo da monarquia francesa – ele era filho, irmão e tio de rei (João, o Bom, Carlos V e Carlos VI, respectivamente).
Ao fundo, tanto em exemplos com a presença de figuras nobres, quanto em outros nas quais eles estão ausentes, observa-se diversos castelos, representados de maneira quase realista. A perspectiva é sugerida de maneira bastante eficaz, graças à observação do espaço e à precisão de execução própria aos artistas flamencos, entretanto, ainda não se trata da perfeita perspectiva albertiana (de Léon Battista Alberti). A maioria dessas fortalezas pertencia ao próprio duque ou ao rei da França. Eles mostram, então, a riqueza e o poder do duque, que além de parente próximo do rei, era o proprietário de cerca de 1/8 do território do reino, na época de sua morte.
Janeiro: A miniatura representa os vassalos rendendo homenagem ao suserano (ou senhor), que geralmente acontecia nesse mês. Ao lado do duque de Berry, sentado no canto à direita, figura a inscrição “Approchez Approchez” que convida os presentes a se aproximarem e homenageá-lo.
Duque de Berry
Fevereiro
Março: Ao fundo, o Castelo de Lusignan.
Abril: Uma cena de noivado, na qual personagens trocam anéis junto a testemunhas, se desenrola em uma paisagem primaveril.
Maio
Junho: Ao fundo, o Palais de la Cité e a Sainte-Chapelle, respectivamente, uma residência e uma capela real.
Julho: Camponeses realizam a colheita e tosam ovelhas. Ao fundo, o Castelo de Poitiers.
Agosto: Françoise Autrand vê a miniatura do mês de agosto como a representação de uma paz desejada pelo duque, mas irreal no momento da pintura da cena, em plena Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra e disputa entre os Burguinhões e os Armagnacs dentro da própria França.
Setembro: Ao fundo, o Castelo de Saumur.
Outubro: Ao fundo, o castelo real do Louvre.
Novembro
Dezembro: Ao fundo, o Castelo de Vincennes, próximo à Paris.
Outras miniaturas
Pentecostes: A Virgem rodeada de apóstolos recebe o Espírito Santo (no alto, ao centro) em uma igreja.
O Batismo do Cristo
A Natividade
São João de Patmos: O santo é representado com uma águia, e, acima dele, figura o Cristo com 24 anciões e anjos.
Bibliografia
Jonathan ALEXANDER, « Labeur and Paresse: Ideological Representations of Medieval Peasant Labor » in Art Bulletin, no 72, 1990, p. 443-452.
Françoise AUTRAND, Duc de Berry, L’art et le pouvoir, Paris, Fayard, 2000.
Françoise AUTRAND, Les Très riches Heures du Duc de Berry et l’enluminure en France au début du XVe siècle, cat. Expo. (Chantilly, Musée Condé), Paris, Somogy, 2004.
Isabelle BARDIÈS FRONTY, “Les métiers d’artiste au Moyen Âge” in Dossier de l’art, Paris, Faton, No. 152 (Maio 2008), p. 16-21.
Jérôme BASCHET, La civilisation féodale: de l’an mil à la colonization de l’Amérique, Paris, Flammarion, 2003.
Matilde BATTISTINI, Symboles et Allégories, Paris, Hazan, 2004.
Jean-Pierre CAILLET, L’ abcdaire de l’art medieval, Paris, Flammarion, 2005.
Michael CAMILLE, “The “Très Riches Heures”: An Illuminated Manuscript in the Age of Mechanical Reproduction” in Critical Inquiry, The University of Chicago Press, Vol. 17, No. 1 (1990), p. 72-107.
Raymond CAZELLES, Umberto ECO, Les Très Riches Heures du Duc de Berry, Tournai, La Renaissance du Livre, 2001.
Jean DUFOURNET, Très Riches Heures du Duc de Berry, Paris, Bibliothèque de l’image, 1995.
Jean FAVIER, La Guerre des cent ans, Paris, Fayard, 1980.
Timothy B. HUSBAND, The Art of Illumination : The Limbourg brothers and The Belles Heures de Jean de France, Duc de Berry, cat. Expo. (Nova Iorque), Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art, Yale University Press, 2008.
Roland RECHT, Le livre enluminé: l’image médiévale, Paris, RMN, 2010.
Claude SCHAEFER, « Livre d’heures » in Enciclopaedia Universalis. http://www.universalis-edu.com.domino-ip2.univ-paris1.fr/encyclopedie/livre-d-heures/ (Consultado em 16 de outubro de 2011).
François AVRIL, « Les Limbourg » in Enciclopaedia Universalis. http://www.universalis-edu.com.domino-ip2.univ-paris1.fr/encyclopedie/les-limbourg/ (Consultado em 16 de outubro de 2011). Les Très Riches Heures du Duc de Berry et l’enluminure en France au XVe siècle. Press release da exposição de mesmo nome no Château de Chantilly, Musée Condé, 2004. http://www.chateaudechantilly.com/pdf/DPresse-22.pdf (Consultado em 16 de outubro de 2011).
« Les Très Riches Heures » no Centro de Documentação Pedagógica da l’Académie d’Amiens. http://crdp.ac-amiens.fr/crdp/ingedoc/carte_ressources/pdfdames/tresriche.pdf (Consultado em 16 de outubro de 2011).
Fonte das imagens : Wikipédia