Há algum tempo circulou pela web um artigo sobre a artista Melissa McCracken, que possui um raro quadro clínico: Sinestesia. Palavra derivada do grego (Syn = união, junção e Esthesia = Sensação), ou seja, a capacidade sensorial conjunta: Sentir o cheiro das cores, enxergar a cor do som, ouvir som dos cheiros etc. Sinestesia tem duas aplicações usuais, a aplicação como figura de linguagem na literatura ou uma condição neurológica, como é o caso da artista.

Embora não seja um tema muito discutido atualmente, grandes pensadores debateram sobre o assunto ao longo dos anos. Isso se deve ao fato de associarem o individuo sinesteta, como alguém que possui uma degeneração cerebral, ou até mesmo que “sofra de sinestesia”. Por outro lado, há defensores que afirmam que a sinestesia é um fenômeno presente em capacidades cerebrais evoluídas, sendo uma condição inerente ao ofício de qualquer artista. Isso quer dizer que em algum grau, todo artista possui a capacidade de obter e produzir diferentes sensações de uma obra seja ela visual ou sonora, e conseguem transpor para outras experiências sensoriais. Quando falamos de sensações, automaticamente estamos falando de arte e filosofia, pois a estética é a área do conhecimento que estuda as sensações do homem no mundo.

Charles Baudelaire (1821 – 1867) grande poeta do século 19 e principal nome do Simbolismo literário, foi um dos primeiros a pregar uma revolução da arte, da volta à subjetividade e as experiências sensoriais no campo das artes, sendo o precursor de uma nova concepção da história da arte e uma nova abordagem estética. Em sua Teoria das Correspondências, já defendia que todas as experiências sensoriais estavam interligadas através de cadeias semânticas. Isso quer dizer que as cores, os sons, os aromas estão interligados através de sua própria natureza em uma rede de significados e não são signos isolados e independentes. Aprofundando um pouco mais, para Baudelaire, grandes cientistas já teriam descoberto essa relação: Newton, Pitágoras e Aristóteles. Afirmava ainda que essas ligações das sensações poderiam ser perceptíveis por qualquer ser humano. Essas informações podem ser encontradas em sua obra “Obras Estéticas: Filosofia da Imaginação Criadora”.

Com a evolução da ciência e da tecnologia, a partir de exames de tomografia computadorizada e com o avanço da neurociência e da neuropsicologia, as teorias vigentes sobre a Sinestesia até o século 19, de que se tratava de algum tipo de anomalia, doença ou degeneração cerebral, foram derrubadas. Outros artistas além de Melissa McCracken são sinestetas. Alguns não comprovados como Baudelaire e Mondrian (em sua experimentação sobre Jazz e o Neoplasticismo) e outros declaradamente sinestetas como o físico Richard Feynman (1918-1988), Wassily Kandinsky (1866-1944) (Expressionismo Abstrato, costumava cantar os tons das cores que utilizaria em sua paleta), o guitarrista Eddie van Halen que usou a capacidade de ver as cores das notas musicais para criar a “nota marrom” e usou nos discos de sua banda e Vladimir Nabokov, autor de Lolita, reclamava que em sua infância que as cores de seu alfabeto de madeira estavam erradas, e criou vários personagens sinestetas.

No próprio site da artista, Melissa McCracken colocou uma observação sobre sua condição:
“Basicamente, o meu cérebro tem um cruzamento sensorial. E experimento a sensação “errada” a certos estímulos. Cada letra e número são coloridos e os dias do ano estão circulados em volta do meu corpo, como se estivessem pontuados no espaço. Mas o mais maravilhoso da “disfunção cerebral” de tudo é ver a música que eu ouço. Ela flui em uma mistura de tons, texturas e movimentos, deslocando-o como se fosse um elemento vital e intencional de cada música. Ter sinestesia não é uma distração ou desorientação. Ela adiciona uma vibração única para o mundo que eu experimento” (tradução livre).

Além das obras fantásticas da artista, a discussão em torno da sinestesia levanta novamente o debate sobre o que a sociedade considera “normal”. Vivemos hoje em uma realidade muito diferente do século 19. Temos as evoluções científicas e tecnológicas para compreender melhor certos fenômenos relacionados a natureza humana, que eram impossíveis em séculos passados. Ao longo do tempo a arte sempre teve o papel primordial de romper com ideias arcaicas e causar a reflexão em busca de novas propostas e novas visões em torno da complexidade do ser humano.

