Os quadrinhos dominaram as prateleiras de diversas livrarias espalhadas pelo mundo, não só por causa do mundo geek ser cada vez mais explorado comercialmente, mas também por causa dos diversos filmes de super heróis que estreiam nos cinemas quase que mensalmente. Mas, não é só de super herói que o universo dos quadrinhos sobrevive, é possível cativar (e muito) um leitor com histórias cotidianas contadas por esse meio artístico. Como é o caso de “Uma Morte Horrível”, da ilustradora e agora autora Pénélope Bagieu, uma jovem talentosa que começou expondo seu talento no pequeno blog “Ma vie est tout à fait fascinante” (Minha vida é realmente fascinante) e agora explora um novo universo literário para contar uma história cheia de reviravoltas e muito divertida.
Não se engane pela capa misteriosa ou o nome sugestivo, não se trata de nenhum caso de assassinato ou um mistério envolvendo uma morte, quer dizer, mais ou menos. A principio parece mais uma história de alguém insatisfeito com a vida. Zoé trabalha muito e ainda precisa aguentar um relacionamento abusivo, até que conhece Thomas, um escritor um tanto quanto exótico e como um bom escritor clichê se acha a última bolacha do pacote, mas que está vivendo um enorme bloqueio criativo, o que muda quando ele conhece Zoé, que não se considera uma pessoa muito intelectual e mal sabe diferenciar Balzac de Batman. Mas ela começa a perceber que alguma coisa está errada e vive receosa, com medo de cair em outro relacionamento abusivo. Conforme você vai acompanhando a leitura (uma leitura bem rápida, aliás) você percebe que existe um jeito meio Woody Allen de se contar história sobre relacionamentos, existe a mocinha perdida dentro da sua própria vida e os relacionamentos conturbados a sua volta.
Com o estilo de traços simples e meio cartunesco em suas expressões, ela brinca com as cores para explorar os sentimentos dos personagens, como quando Zoé está infeliz com o namorado grosseiro e rude, tudo é praticamente cinza, mas quando ela começa a se envolver com Thomas, sentimentalmente e fisicamente, as cores mais quentes em tons de vermelho e rosa começam a se sobressair, de forma que explore bem essa parte sexual sem ficar muito óbvio. Além do seu final que termina de forma bem feliz e equilibrada, deixando tudo bem colorido, vibrante e positivo.
Apesar de tudo parecer bem óbvio, alguns pontos explorados tornam a leitura bem interessante, como quando a autora mostra esse mundo do show business em que o público, muitas vezes, dá mais valor a artistas mortos do que vivos ou como um autor pode, sem perceber, botar seu egocentrismo prepotente na frente de uma história que interesse e cative o seu público. Quer dizer, muitas vezes pagamos mais pelo o que o artista nos torna o obtendo como um objeto do que ele tem exatamente a nos oferecer.
Outro ponto muito bacana é o seu final. O quadrinho inteiro te leva para um rumo bem óbvio e fácil, provavelmente de propósito para te surpreender com um final animador, vingativo e muito sagaz. Fazendo Zoé se transformar em uma espécie de “heroína do mundo real”, totalmente Girl Power, mostrando que não precisamos saber quem exatamente é Balzac, Nietzsche ou qualquer pensador que seja para definir caráter ou esperteza. É muito mais a nossa ética social do que conhecimento literário.
O livro é da editora nemo (em minúsculo mesmo) e traz um custo beneficio bem baratinho, custando menos de trinta reais na maioria das livrarias nacionais. Se você se animar com o traço e o modo de contar história da autora, ela é uma ilustradora e quadrinista bem conceituada, principalmente na França, e tem várias histórias publicadas. Infelizmente nenhuma além dessa aqui no Brasil, mas procurando, dá para achar coisas bacanas pela internet, além de que você pode descobrir um gosto por quadrinhos que tratem relações mais cotidianas e consequentemente ir atrás de outras semelhantes, como Julia Wertz com “Entre Umas e Outras”, Céline Fraipont e Pierre Baily com “O Muro” e outros diversos artistas do gênero.
Fonte de imagem: “Uma morte horrível”