Ler é interpretar. Para que se possa interpretar, é necessário compreender – e não o contrário. O debate sobre o tema da compreensão/interpretação do texto é longo, interessante e profundo, rendendo uma boa conversa que pode ser estabelecida entre amigos, colegas de vários níveis e até mesmo oponentes, pois o diálogo sempre rende bons frutos. Não pretendo trazer aqui uma discussão sobre a temática, até mesmo pelas limitações (aquelas próprias desse autor e do espaço desse escrito), em que pese o convite para tanto estar sempre aberto. Minha pretensão é aquela que geralmente costumo colocar minimamente em prática quando da escrita aqui no Artrianon: lançar algumas ideias, considerações, indagações, reflexões e inquietações sobre tudo aquilo que permeia a leitura, a escrita, os livros, o estudo, enfim, esse mundo todo do literário.
Os escritos são produzidos geralmente com a finalidade de algo ser transmitido. Uma mensagem que vai de um lugar para outro. O autor escreve intencionando que, caso venha a ser lido, o leitor recepcione suas palavras e as absorva compreendo-as o mais proximamente possível de acordo com aquilo que quis realmente ser dito.
Nesse processo de transmissão do dito (escrito) para o recebido (lido), é possível que algum percalço surja no meio do caminho (ou no início, ou ainda no fim) e enseje na incompreensão da mensagem que buscou se transmitir. As razões para tanto são variadas, diversas, inúmeras. Escritor e leitor podem estar analisando uma mesma coisa, mas possuírem entendimentos diversos sobre o significado dessa coisa. Pode também ocorrer de estar presente no texto determinado significante que, por não estar devidamente contextualizado de acordo com a pretensão de compreensão (ou ocorrer uma falha justamente quando da tentativa de compreensão num exercício descuidado nesse sentido), acaba tendo atribuído sobre si diferentes significados pelo escritor e pelo leitor. A forma ou o estilo de escrita utilizada pelo autor pode ser feito num modo particular que acaba por dificultar ou até mesmo obstar a possiblidade de compreensão do leitor não habituado ao formato do texto em questão. Como mencionado, os exemplos são vários sobre onde e como se pode ocorrer uma incompreensão do texto.
Escrevi há pouco tempo um pequeno texto em que analisei por outra perspectiva um pouco da história de Jean Valjean (ver aqui). “Os Miseráveis” é um dos meus livros preferidos. Os ensinamentos críticos constantes na obra são excepcionais, de modo que reiteradamente costumo utilizar o livro como mote, fundamento ou exemplo em muitos de meus escritos, apresentações, aulas e palestras. Intencionando reafirmar essas explanações sobre e com base na obra, no texto em questão optei por fazer uma espécie de releitura da figura de Jean Valjean, apresentando-o de modo diverso que fez Victor Hugo. A pretensão foi a de estabelecer um tipo de ironia que atacava explicitamente o próprio conteúdo que ali se transmitia. A ideia foi a de, em realidade, dizer justamente o contrário do que ali estava sendo dito. No texto, apresentei Jean Valjean como muitas das personagens de “Os Miseráveis” o viam, assim como muitos costumam olhar para os miseráveis do nosso mundo. A ironia, ao meu ver, é evidente no texto. A crítica contra aquela visão narrada no escrito estava presente no próprio texto. Entretanto, por mais que a maioria dos leitores tenha captado a ideia da coisa toda e entendido que se tratou de um estilo particular para se transmitir uma ideia, o texto sofreu algumas críticas. O mais curioso é que o teor das críticas se deu justamente naquele sentido que implicitamente eu coloquei no texto, ou seja, quem discordava de mim, na realidade estava concordando comigo. Eis uma das consequências das incompreensões do texto.
Conforme pontuei, a culpa muitas vezes não é apenas do leitor. Ela também pode ser atribuída ao autor ou ainda a algum outro fator que fuja à própria ideia de compreensão. No texto que menciono, procurei, a partir dessas incompreensões isoladas que surgiram, refletir onde estava a culpa: em mim ou no leitor? Não teria eu erroneamente presumido que todo aquele que fosse ler o texto já me conhecesse (num sentido amplo: conhecesse minha pessoa, minha escrita, meu estilo, meus argumentos…), deixando assim de levar em conta que o escrito poderia confundir quem o lesse de maneira isolada, ensejando numa compreensão a partir de uma análise literal daquelas linhas? Acaso teria faltado uma compreensão mais acurada, uma leitura mais atenta, uma análise mais cuidadosa de quem leu e entendeu diversamente do que busquei ali expor?
Creio que esse tipo de inquietação assombra todo escritor. As leituras, as interpretações, as análises, enfim, as formas de se observar um texto podem ensejar em incompreensões, transmutando toda uma ideia originalmente pretendida para algo completamente diverso.
Minha pretensão é sempre a de estabelecer diálogos, de modo que quando recebo qualquer tipo de comentário sobre qualquer texto produzido, fico satisfeito por ter logrado êxito naquilo que intencionei. No presente não é diferente. Registro o convite para o diálogo. Sobre as incompreensões do texto, faz-se necessário o debruçar sobre as razões do surgimento desse fenômeno quando ele se apresenta, objetivando haver uma compreensão sobre a incompreensão.
Hoje, aqui, anseio apenas que esse texto possa ser compreendido. Com isso, para além do diálogo sempre pretendido, já me darei por satisfeito.
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