“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos…” É com essa frase que tem início o conto “Missa do Galo”, escrito por Machado de Assis e publicado no ano de 1899.
A conversa inesperada e aparentemente superficial entre o narrador, um jovem de dezessete anos, e uma mulher casada é o tema dessa história na qual o autor através de um recorte nos mostra a solidão da mulher de seu tempo.
Logo no início do conto, o narrador descreve Conceição, a esposa do parente que o hospeda, como bondosa e resignada com o casamento, mesmo que este não seja para ela uma união feliz. Conceição acaba por aceitar a traição do marido, conforma-se com ela e com a suposta naturalidade da situação.
“Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana,”
A conversa entre Conceição e o hóspede, que se dá em meados de 1860, acontece na sala, enquanto todos dormem. O encontro ocorre ao acaso, pois o jovem está esperando por um amigo que o acompanhará até a Missa do Galo que ocorrerá à meia-noite. Conceição, ao contrário, não está se preparando para sair, mas também espera. Ela aguarda o retorno do marido que a deixou sozinha na noite Natal.
A espera, para os dois, ganha ares de mistério, apesar de tratar sobre assuntos cotidianos, e essa expectativa excede os limites das páginas e se apodera do leitor. Até mesmo a chegada da mulher à sala é sugestiva.
“Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras.”
A partir de sua chegada, Conceição que antes foi descrita como uma mulher passiva e submissa, ganha uma aura de musa romântica, não somente para o narrador, e somos levados a imaginar que até à meia-noite ela terá sua revanche.
Missa do Galo conquista o leitor não só por sua aura de mistério, mas principalmente pela expectativa de transgressão dos protagonistas. É uma ótima leitura para esta época. É como se Machado, lá dos idos de 1899, nos dissesse: nem todos os natais são iguais. Em uma única noite, tudo pode acontecer.
Referências:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000223.pdf
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