O campo de batalha fede a carne queimada pelos balaços que atravessaram corpos até pouco tempo atrás repletos de vida, agora esquecidos no chão à espera do festim das moscas e do silêncio. A mulher caminha com hesitação, temendo pisar sobre o sangue de algum conhecido, de um parente, do marido que ainda não retornou para casa. As ondas de calor que emanam da terra misturam-se ao ruído desajeitado e distante de passarinhos, que espiam, sem esconder o horror nos seus gorjeios, o local onde a morte fez a sua colheita implacável desde o nascer do dia. Agricultores com dedos calejados, nobres de roupas outrora coloridas e agora impregnadas de pó, artesãos que davam vida aos objetos e foram forçados a desembainhar espadas, todos se misturam sobre o mesmo solo, mais unidos pelo fim do que no decorrer da sua vida. A morte não faz escolhas; para a Ceifadora, todos são o mesmo ser humano. Dentro do ventre da mulher, a vida dá os primeiros chutes, e ela tem medo do que o futuro reserva para quem ainda não chegou: uma terra semeada por ossos, a fome ansiosa para cravar as suas garras, os tempos de escuridão e medo que assomam no horizonte. Gostaria de dizer para o filho – tão inocente, tão despreparado para esse mundo que nos odeia tão logo chegamos – que tudo vai dar certo, mas a mentira congela dentro da garganta ressecada pela poeira sangrenta, pois a mulher sabe que não está pisando sobre os restos de uma batalha anônima, mas sobre os pedaços do seu país. Próximo da mulher, o urubu mal pode esperar o momento em que irá devorar o cadáver da esperança de milhares de pessoas, cujas roupas oscilam em meio ao vento lúgubre, o verdadeiro senhor da planície.
Fonte da imagem:
pt.wikipedia.org/wiki/Juan_Manuel_Blanes#/media/File:Juan_Manuel_Blanes_-_La_Paraguaya.png
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