Livros esquecidos que ainda vivem

Aqueles livros que ficam esquecidos num canto do quarto, ainda são livros. Aqueles livros que ficam estagnados enquanto mofam dentro de caixas, ainda são livros. Aqueles livros que quase ninguém quer, pois são velhos, antigos, rasurados ou feios, ainda são livros. Aqueles livros que até mesmo os sebos titubeiam em adquiri-los, e quando o fazem, pagam apenas alguns poucos centavos, pois sabem que ficarão ali para sempre, ainda são livros. Aqueles livros, quaisquer sejam eles, ainda são livros.

Fico imaginando o contexto de cada um desses livros. Sabem sobre quais aqui está se falando?  Aquele mesmo que vem à mente quando se lê o parágrafo acima. O que foram esses livros? O que agora são? O contexto indagado é considerando um todo – qual foi o seu lugar no tempo e no espaço? Qual é a mensagem ele carrega? O que pretendeu o seu autor ao escrevê-lo? A história teve vida? Durou? Quantos leitores alcançou? Há fôlego para uma eventual, por mais que improvável, sobrevida?

Com esses livros esquecidos que ainda vivem, dificilmente conseguimos ter informações além daquelas poucas que a capa e a contracapa nos fornecem. Para vários deles, a internet pouco ou nada ajuda. Pesquisa-se o título, o autor e até mesmo a editora. Mas nada. Nenhum resultado encontrado. Amigos, familiares, livreiros e bibliotecários podem fornecer algumas pistas ou ainda, quando com muita sorte, disponibilizar a resposta que se busca. Mas esse êxito é bastante complicado quando se tratam de certas obras. A busca por resposta se constitui uma grande jornada em que sequer a luz do fim do túnel surge para clarear minimamente os passos do curioso.

Para alguns, há todo um encanto nisso. O mistério daquela obra chama a atenção. Descobrir alguma coisa sobre o livro ou seu autor passa a ser um desafio para o leitor.  Há algo ali presente que clama por ser desvelado. A resposta certamente está em algum ponto do mundo, competindo ao curioso descobrir a forma de localizá-la. Já para outros – creio que para a maioria, o ignorar da situação é o ato que se faz presente, pois não há qualquer interesse numa obra que foi esquecida pelo mundo, cuja última prova de sua existência pode ser aquele exemplar ali ignorado, em que pese visível. Não tem importância, de modo que não há qualquer preocupação para com as suas origens. Qualquer seja a forma de se lidar com isso, o encanto ou desdém para com o livro esquecido podem surgir antes ou depois da sua leitura. A obra antiga geralmente cativa ou causa indiferença antes mesmo de ser lida ou até mesmo sem que seja preciso folheá-la. A capa e o estado de conservação já bastam, até mesmo porque não é o livro em si que gera o fascínio ou o desdém, mas o fato de ser uma peça singular – esquecida por todos, mas que permanece ali, altiva ao seu próprio modo, fechada em todo o mistério que lhe cerca. Eis o encanto.

Quantos livros vemos assim? Talvez os sebos sejam os melhores lugares para encontrá-los. Aqueles que bastam algumas moedas para se comprá-los, que estão longe dos livros que, mesmo antigos, são raros e cultuados, que ficam localizados em seções distintas dos best–sellers. Mas também é possível encontrá-los em nossas casas, nas de amigos ou de parentes. O pequeno espaço da estante que é reservado para os livros velhos e não lidos ou ainda a caixa na salinha de bagunça – é onde eles também podem estar. Se pararmos para realmente considerar a coisa toda, podemos acabar concluindo que o número desses livros é muito maior do que pensamos.

Podemos ainda ficar refletindo sobre os fatores que levaram esses livros ao limbo terreno. Quais as razões que fizeram com que fossem esquecidos? Em algum momento teriam chegado a alcançar uma visibilidade considerável, ou já nasceram apagados? Quantos em cada caso? Seriam alguns como aquelas músicas de momento, que estouram e duram poucos meses até caírem no ostracismo total? Seriam frutos de uma época em que determinado gênero literário produziu diversas obras ambientalizadas dentro de uma mesma temática, tal como os romances policiais, e, passada essa fase, acabaram sendo deixados de lado? Teria simplesmente o interesse por eles morrido com o tempo? Seria um problema de conteúdo, por trazerem uma teoria muito bem formulada que hoje é ultrapassada? Seriam livros mal escritos, ruins, que merecem o lugar que hoje ocupam? Seriam vítimas de uma tremenda injustiça dos leitores que os relegaram ao esquecimento? Questionamentos demais – alguns muito complexos e profundos, que acabam por impossibilitar uma resposta satisfatória à todas as questões que surgem desse fenômeno do esquecimento.

O fato é que os livros esquecidos ainda são livros. Vivem. Pode ser que estejam em seus momentos finais, dando seus últimos suspiros, fadados ao banimento deste mundo. Mas são livros e continuam sendo – pelo menos enquanto os sebos tiverem espaço, os sótãos comportarem caixas cheias deles e existir o interesse naqueles que se destinam à jornada para desbravar suas histórias e a história de suas histórias.

Os livros esquecidos continuam sendo livros!


Fonte da imagem:

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Um comentário sobre “Livros esquecidos que ainda vivem

  1. Muio triste, isso, mas uma grande maioria, não gosta de ler. A mim me parece que roteirista e cineastas, produzem filmes, sempre com os mesmos autores. Levam em conta o mercado, o lucro.. óbvio que produzem bons filmes. Creio, que lia-se bem mais… aprenderiam, novas palavras, a colocá-las num contexto, mas esse contexto existe, mas em prol do mercado: consumir, e depois jogá-los fora, ou deixá-los de lado. É a lei do imediatismo, ou a caixa de Pandora , que se abriu. Mas bons escritores e bons assuntos existem. Existem, ainda, boas e prazerosas leituras.A instituição livro, não morre. Gostei da sua reflexão.

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