Universos literários paralelos

E se as histórias que conhecemos fossem diferentes? Falo de todas elas, desde as clássicas até as contemporâneas. Já imaginou se os livros tivessem um final que não aquele que você leu? E se o protagonista tivesse feito outra escolha? E se aquela personagem não tivesse morrido no meio do enredo? E se o final do livro fosse aquele que você esperava?

O livro que você lê é uma coisa finalizada. Uma obra acabada. Algo pronto. O final já está escrito – assim como o meio e o começo. Por mais que você imagine diversas possibilidades do que pode vir a acontecer nas páginas seguintes, o elemento surpresa, que advém do já feito, atenderá, frustrará ou superará suas expectativas. Goste ou não, não há como mudar aquilo que está por vir no próximo capítulo. Pode ser que você esteja torcendo para que aquele personagem que cativou o seu coração tenha êxito em sua aventura. Mas, infelizmente, ele morre de forma trágica. Sim. Você vai lamentar, chorar e até espernear, consternado com o fato de o autor ter matado o seu personagem preferido daquele livro. Sinto informar também que o casal modelo daquela outra história não estará mais junto no final do livro. Um balde de água fria, eu sei, ainda mais quando se leva em conta o motivo do rompimento da relação. Mas as histórias dos livros são assim: estando prontas depois de publicadas, nada mais há o que fazer para mudar os enredos.

Retomo as perguntas que iniciam esse escrito. E se fosse possível mudar as histórias? Ou se pelo menos existissem versões alternativas delas? Algumas dessas agradariam mais que outras? Aquela aura própria que envolve os clássicos, justificando o motivo de assim serem considerados, permaneceria presente? Até que ponto uma alteração no endereço deixaria de ser irrelevante e passaria a ser significativa?

Todas as dúvidas e questionamentos podem ser resumidas numa indagação única: existiriam universos literários paralelos?

Há um conto de Stephen King onde os universos alternativos do mundo literário se apresentam. Em “Ur”, conto presente no livro “O Bazar dos Sonhos Ruins”, um professor de inglês acaba comprando um Kindle despretensiosamente – mais por ser levado a comprar do que pelo real interesse na, à época, nova tecnologia ofertada. Curiosamente, ao invés de receber um aparelho branco, seu Kindle vem na cor rosa. Provavelmente um defeito de fabricação, pensa o personagem principal. Entretanto, utilizando o aparelho, o professor acaba descobrindo que aquele objeto não é do seu mundo. Por qualquer razão (ou ausência dessa) que seja, o aparelho veio de algum outro lugar, de outra dimensão, de outro mundo. O Kindle, ao ser utilizado em sua “função Ur”, possibilita o acesso à livros e jornais de diversos mundos. Livros que não foram escritos por famosos escritores em seu mundo, mas o foram em realidades alternativas, podem ser baixados pelo aparelho e lidos – assim como jornais. Esse é o ambiente de “Ur”, um excelente conto repleto de referências a um outro magnífico mundo de Stephen King – a Torre Negra.

O conto traz um universo paralelo onde livros não escritos em nosso mundo foram em outros – podendo ser lidos por aquele que possui o Kindle rosa em mãos. Já é algo mais do que suficiente para nos inquietar: imagine se o seu autor falecido preferido tivesse tido tempo de escrever outras obras. Ou se todas as ideias de histórias que lhe passaram pela cabeça tivessem sido escritas. Já imaginou? Avançando essa possibilidade já registrada pelo mestre do terror, imagine um universo onde as histórias existentes tivessem enredos diferentes em alguns pontos. É possível ter uma noção de quantas possibilidades se teria em enredos alternativos? Somente vários universos literários paralelos para dar conta de tudo isso.

E se Jean Valjean não tivesse assumido uma identidade falsa? E se Bentinho tivesse feito um exame de DNA? E se Raskolnikov não tivesse sido surpreendido pela irmã da velha agiota? E se Josef K. tivesse acesso ao conteúdo do seu processo, tomando ciência de uma acusação contra si? E se a mãe de Mersault não tivesse morrido? E se a mulher do médico também tivesse ficado cega com os demais?

Para cada possibilidade, uma história nova, dando ensejo a um novo enredo num outro mundo. Cada mudança existente, por mínima que seja, acabaria por dar corpo a uma obra diversa. Mesmo que mínimo o detalhe alterado, o livro já seria outro, sendo necessário um outro mundo para que a obra ali se encaixasse. Para cada desvio, um novo ‘próprio’.

Pense nos detalhes que se encaixam naquele livro que você tanto gosta. Acaso o rumo não seria outro se estes fossem alterados? E os desfechos? Muitos reclamam dos finais de algumas obras. Um final diferente precisaria de um novo mundo completamente diverso do nosso. E será mesmo que o seu final imaginado e esperado seria melhor que aquele definido pelo autor?

Há alguns livros que presenteiam (ou ofendem) os leitores com versões alternativas de clássicos. Obras que narram a perspectiva de outras personagens de uma história, que alteram as características do ambiente e que adicionam os mais variados elementos para conflitar com a história do livro que a nova versão se baseia. Estes conseguem existir no mesmo plano que os originais. Mas seriam mesmo outras versões de um mesmo livro ou apenas réplicas modificadas?

Para que possamos falar em outras versões dos clássicos e dos contemporâneos originais, somente admitindo a existência de outros mundos.

E você – acredita em universos literários paralelos?

 

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