Questão que divide os leitores, os amantes e possuidores dos livros, é o ato de marcar ou não alguma coisa nas obras: anotar ou não anotar, sublinhar ou não sublinhar? Eis a questão.
As opiniões se dividem e, geralmente, cada lado defende o seu ponto de vista de maneira enérgica e resoluta. Não há espaço para meio termo (em que pese há algumas ramificações dessas escolas que defendem a permissão de alguns tipos de anotações em certos tipos de obras) – ou é defensável e permitido fazer anotações nos livros, ou o ato é visto como algo infame e herético.
Por anotar ou sublinhar os livros deve ser entendido o ato de riscar as páginas que compõem uma obra. Pode ser um lápis ou uma caneta: alguma inquietação surgida na mente do leitor durante a leitura pode ser registrada no canto daquela página em forma de pergunta; algum trecho da obra que o leitor não tenha entendido pode ser destacado, seguido por um ponto de interrogação a fim de servir como lembrança de que algo ali precisa ser melhor enfrentado e compreendido; uma contribuição, presente em uma frase, do próprio leitor ao raciocínio presente numa passagem do livro; o sublinhar de uma frase ou parágrafo considerado importante e que merece o relevo; enfim, várias são as formas possíveis de se destacar algo em um livro. A caneta marca texto, qualquer cor seja, também auxilia bastante nessa empreitada dos ávidos por destacar seus livros.
Mas se de um lado os marcadores de livros evidenciam suas razões para procederem com as anotações, há, de outro, aqueles que veem a prática como uma espécie de ofensa. Para esses, o livro seria um algo sagrado que merece ser conservado considerando toda a sua estrutura, incluindo aí todo e qualquer mínimo detalhe. Substituir um marcador de página pela dobra do canto da folha para marcar a parte da obra que está sendo lida é um ato imperdoável. Qualquer tipo de rabisco feito numa das folhas da obra é interpretada como desrespeito – no máximo, permite-se o riscar da caneta na dedicatória quando o livro é presenteado ou quando se recebe o autógrafo de seu autor. Ainda assim, o que se aceita é que isso seja feito na primeira ou segunda página do livro – preferencialmente naquela que tenha poucas informações originais da obra. O livro deve ser mantido em seu estado de pureza. O folhear das páginas já abala a obra de modo suficiente que torna desnecessária e indevida qualquer mácula extra.
O que estaria por trás dessa divisão? Seria uma questão puramente estética, do tipo que deve ou não o livro receber o toque de algo que o risque? Riscar um livro mancha a sua essência ou o torna único?
Particularmente, resisti à ideia da marcação de livros por muito tempo. Já fui do time purista que não vê com bons olhos os riscos e rabiscos nos livros. Mudei com o tempo – alguns fatores foram decisivos para que eu passasse a ver a coisa de modo diferente. Hoje os sublinho e me dou por satisfeito com os destaques – não senti ainda a necessidade de realizar outros tipos de marcações. Tenho assim a minha própria forma de marcar as obras, estando, porém, ciente de que há vários outros modos – os quais incentivo quem os faz para que assim continuem.
Umberto Eco disse em seu “Como se faz uma Tese”: “se o livro for seu e não tiver valor de antiguidade, não hesite em anotá-lo. Não dê crédito àqueles que dizem que os livros são intocáveis. Maior respeito é usá-lo, não pô-lo de lado”. Estou de acordo com o autor. A não ser que o leitor não veja motivos para anotar e sublinhar suas próprias obras, seja por desinteresse ou por desnecessidade, nada há que o impeça para que assim o faça. Se há a vontade, surgida por uma necessidade de qualquer ordem, o receio deve ser vencido com a experimentação. Anote-se. Sublinhe-se. Marque-se.
Se o leitor se acomete de uma necessidade interna de que algo ali, no livro, merece ser registrado, que registre. Que se sublinhe o trecho que chamou a atenção, para que se possa futuramente localizar com mais precisão aquilo que ali se busca, para que se possibilite uma agradável recordação quando de uma releitura, para que um novo olhar perceptivo seja lançado para aquela passagem, ensejando até mesmo numa compreensão outra que não aquela de quando da primeira leitura. Que se registrem as indagações, para que posteriormente as respostas sejam buscadas em outras fontes – onde e quando novas perguntas serão feitas. Que assim se faça.
Ainda com Umberto Eco, “sublinhar personaliza o livro. Marca o seu interesse. Permite-lhe voltar ao livro depois de muito tempo e encontrar imediatamente o que outrora despertou seu interesse”. Que assim seja, portanto. Que me desculpem os puristas, mas digo com a propriedade de quem também já esteve aí desse lado: sublinhar um livro faz toda a diferença!
Fonte da imagem:
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Podemos notar a singular atenção que o escritor do texto tem com o livro, e o faz com muita propriedade, acolhi com simpatia todos os seus conselhos, é um tema muito interessante. Recomendo.
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Amei o texto. Não consigo para de pensar se risco ou não os meus livros, pois atualmente sou do lado puritano, mas não consigo para de expiar do outro lado do muro. Vou arriscar, ou melhor, riscar.
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