Theodor Adorno, terceiro de nossa lista nesta série, é um dos principais materialistas dialéticos da Escola de Frankfurt, com forte influência na crítica literária brasileira em figuras como Roberto Schwarz – e de maneira análoga, Antonio Candido seguia um caminho parecido, mas com pouca ou nenhuma leitura do teórico. Me centrarei em dois textos, “Posição do narrador no romance contemporâneo” e “O artista como representante”, ambos do livro Notas de Literatura I.
O pressuposto é que a forma estética é processo social decantado. O que significa isso? Que as obras artísticas carregam marcas do contexto histórico de que derivam. Essas marcas podem ser mostrar implícita ou explicitamente, a depender do objeto. Isso é a base da crítica materialista, significando a tal dialética entre obra de arte e vida social. É preciso tomar um cuidado para não pensar que a obra de arte é o reflexo imediato de seu contexto histórico. Para Adorno, e Roberto Schwarz nos explica melhor, a forma artística é uma mediadora entre esses dois polos:
“Em vez de opor a invenção formal à apreensão histórica, segregando essas faculdades e os respectivos domínios, ele buscou a sua articulação. A forma – que não é evidente e que cabe à crítica identificar e estudar – seria um princípio ordenador individual, que tanto regula um universo imaginário como um aspecto da realidade exterior. […] De outro ângulo, tratava-se de explicar como configurações externas, pertencentes à vida extra-artística, podiam passar para dentro de obras de fantasia, onde se tornavam forças de estruturação e mostravam algo de si que não estivera à vista.” (“Sobre Adorno” em Martinha versus Lucrécia)
No primeiro ensaio, Adorno postula a ideia, cuja dialética se encontra dentro da própria frase, que: não se pode mais narrar, embora o romance exija narração. O negativo e o positivo em tensão (narrar e não narrar) cuja síntese são livros como Em busca do tempo perdido, do Proust, Kafka e outros. A ideia é que, devido ao capitalismo tardio e o processo de reificação (= a coisificação, a transformação dos seres humanos em coisas) impedem uma narração “realista” aos moldes do século 19 e só a posição do narrador, em geral bem subjetivista, contorna esse problema. Então quando temos um monólogo interior profundo, reencontramos o humano perdido na era de reificação global (o texto do Adorno é salvo engano dos anos 1950).
Já em “O artista como representante”, tem em mente Paul Valery e o que chama de arte integral. Isso significa que, próximo ao que falamos acima, devido ao capitalismo e à coisificação, a arte vira um produto com valor de mercado, como um objeto que se vende no shopping, perdendo sua integralidade (Walter Benjamin, nosso assunto no próximo texto, chamará de perda da aura da obra de arte). Cabe ao artista, então, recuperar essa integralidade, que significa uma contiguidade entre autor e obra, produzindo um objeto estético assentado em uma experiência humana verdadeira, coisa rara, para Adorno, nos anos 50, quiçá hoje em dia. Para Adorno, se queremos fazer um poema, por exemplo, temos que fazer exatamente como achamos que um poema deve ser, caso contrário estamos reificando o processo artístico e o resultado será nada menos que mais um produto com valor de troca no varejo das obras de arte.
Adorno é radical em suas postulações e talvez por isso se mantenha atual (Roberto Schwarz, na entrevista citada acima, fala desse ponto). É um grande teórico que presta serviços até hoje na crítica materialista tanto brasileira quanto mundial.
Rodrigo Mendes
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