Há mais de três décadas, a artista brasileira Denise Milan traz ao mundo da arte sua inspiração da vida toda: as pedras, um material não tão familiar às obras de arte.
A monumentalidade dessas rochas ancestrais, formadas há milhões de anos, nos faz questionar nossa própria pequenez quanto ao tão velho planeta Terra, mas, da mesma maneira, nos mostra nossa ligação intrínseca – e vital – a ele. Um tema atualíssimo, quando questões ambientais se tornam urgentes e – felizmente – ganham cada vez mais espaço.

Foto: Thomas Susemihl

Foto: Sérgio Coimbra
Como afirma Manuela Mena, do Museu do Prado, organizadora de um livro sobre o trabalho da artista: “As pedras, a magnificência da matéria, o tempo e a fragilidade da memória têm sido os eixos fundamentais de sua produção.”
Assim, em suas obras encontramos resplandecência, cores e formas que vêm do ventre da terra, mas ecoam nossa própria humanidade. Pensemos naquelas esculturas que fazem alusão ao útero materno, como aquela que deu nome à exposição individual da artista – Útero Magmático – que inaugurou a DAN Galeria Interior, em Itu. Nessa obra, como explica o texto curatorial da mostra, de Naomi Moniz, “O espectador é convidado a interagir com a instalação através de um olho mágico: um quartzo rosa formado há 130 milhões de anos, que pulsa revelando o potencial de fecundação que origina todas as criações do planeta.”

Foto: Thomas Susemihl

Foto: Ana Pigosso

Foto: Sérgio Coimbra
Além disso, quando apresenta geodos com seus cristais brilhantes encontrados em cavernas, vejo uma alusão às descobertas, por exemplo, aquelas do inconsciente, nas quais um mergulho à uma caverna escura pode trazer à luz elementos de aparência estranha e curiosa, à primeira vista, mas que se tornam reluzentes e impressionantes conforme os miramos com atenção sob os raios solares.
Dessa maneira, há uma reflexão acerca do macro e do microcosmo, mostrando, justamente, como estamos todos conectados: seres humanos, natureza, minerais. Ou seja, além da natureza como fonte de inspiração, há também a alquimia e as civilizações antigas, para muitas das quais as rochas possuíam grande importância, sendo ligadas, por exemplo, à astronomia às práticas religiosas – pensemos no Stonehenge; nos bétilos, estelas sagradas que marcavam a presença da divindade em algumas culturas semíticas; e nas huacas pré-hispânicas, citadas pela própria artista.
Entretanto, nada melhor do que um diálogo com a própria Denise Milan, para que os espectadores compreendam alguns pontos chave de sua prática:

Foto: Thomas Susemihl
A: Seu trabalho tem uma profundidade imensa, com alusões à origem da vida e à ancestralidade do próprio planeta Terra. Como surgiu a inspiração para esse tipo de criação?
D: Desde que tenho 5 anos as pedras me inspiram, só depois, descobri que esta inspiração podia vir a ser uma jornada artística e que a Terra, a grande pedra azul, é onde todas as criações acontecem, inclusive nossa vida. Os passos foram seguindo de forma orgânica.
A:Algo que me vem à mente quando vejo suas obras, é uma ideia de transcendência, talvez justamente graças essas reflexões sobre às origens da vida e ancestralidade da Terra. Em diversas crenças, inclusive, as rochas são vistas como extremamente importantes – algumas vezes, até mesmo com propriedades mágicas – e trazem benefícios aos seres humanos que delas se aproximam. Assim, há certa dimensão espiritual nessas obras?
D: Considero que sim. As pedras sempre tiveram um papel importante em todas as civilizações inclusive às comunidades que antecedem o momento civilizatório.
Observe as culturas pré-andinas, onde as huacas, pedras colocadas como demarcações das estrelas na Terra, refletiam nossos trajetos existências ao nos conectar com o cosmos. As pedras possibilitam uma conexão, tanto com seu/nosso microcosmos, como no seu/nosso macrocosmos.
A: Outra ideia que me parece muito associada à sua poética é a alquimia. Há alguma influência nesse sentido?
D: Sim, a matéria tem sua própria alquimia. Nas minhas criações, considero o processo artístico, uma alquimia metafisica.

Foto: Sérgio Coimbra
A: E a questão do tempo, sobre a qual comenta Gabriel Pérez-Barreiro, curador de sua última mostra na DAN Galeria? Ao meu ver, essas rochas refletem milhões de anos, de sua formação até hoje, o que, por um lado, coloca a existência humana como um lapso temporal ínfimo. Essa reflexão é pertinente?
D: Sim, tenho pedras que trazem intentos da criação do ser humano, como se as pedras nos tivessem imaginado há milhões de anos. Investigo como integram o mundo da biologia e o mundo mineral. Por exemplo, encontrei tentativas da mitose manifestada na pedra. Nós humanos imaginamos fronteiras entre os reinos mineral, vegetal e animal. Nas pedras essas fronteiras desaparecem.

Foto: Ana Pigosso
A: Além disso, vejo bastante importância nos temas que você trata para o mundo contemporâneo. É algo que diz respeito a todos os seres humanos e pode trazer reflexões, por exemplo, sobre a preservação da natureza. Houve alguma intenção nesse sentido quando você começou a desenvolver esses trabalhos?
D: Tinha perante as criações da Natureza um olhar de criança, isto é, um olhar que se surpreende perante as revelações da matéria. Ao contemplar por um longo tempo as pedras, fui aprendendo com elas, como lutam pra sobreviver. Como nos contam de suas estruturas que conseguem permanecer na Terra, por milhões e milhões de anos. Estas informações que nos transmitem são extremamente relevantes para a preservação da natureza e sim dizem respeito a todos os seres humanos. Quando nos percebemos como parte da Terra e de suas criações, saberemos respeitar a nossa Natureza e a que nos circunda.

Foto: Ana Pigosso

Foto: Ana Pigosso
Referências:
Manuela MENA, Denise MILAN, Pedra: O universo escondido, São Paulo, Editora BEĨ, 2018.
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“Denise Milan” in DAN Galeria, [Online]. Consultado em 14/11/2023.
https://www.dangaleria.com.br/artistas/denise-milan
“Denise Milan” in SP-Arte, [Online]. Consultado em 14/11/2023.
https://www.sp-arte.com/artistas/denise-milan/
“Útero Magmático – Denise Milan” in DAN Galeria, [Online]. Consultado em 14/11/2023.
https://www.dangaleria.com.br/exposicoes/utero-magmatico-denise-milan
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