Por Schleiden Nunes Pimenta
No Dia Internacional das Mulheres, qual desejo você faria se conseguisse reunir as sete esferas do Dragão? Para onde você iria se possuísse uma nuvem dourada e voadora?
Eram 15h00 quando as tardes faziam pausa. Os comerciantes estranhavam a quietude da rua; a amarelinha sem ninguém pulando, a bola esquecida no meio fio, as bicicletas caídas na calçada, os chinelos abandonados sem um aparente porquê. O silêncio repentino e a falta de sentido de viver e até de trabalhar, pois: onde foram parar as crianças do bairro afinal?
Uai, mas não é claro? Foram para o sofá da minha casa, usando o teletransporte do Goku!
Akira Toriyama não deve ter imaginado, lá no início, como seus personagens transformariam tantas crianças em supersaiyajins; como os influenciaria a aprimorarem o seu próprio chi; como aproximaria pessoas e as impulsionaria a criarem amizades de uma vida toda tal qual a de Bulma e Kuririn, ou de Chaos, Yamcha e Tenshinhan, ou de Vegeta e… o espelho?; como levaria muitos a imaginar a real possibilidade científica de cápsulas do tamanho de remédios se tornarem carros, casas ou mesas repletas de comida; como levaria muitos a refletirem, pela primeira vez, no planeta e em todos os seres que nele habitam enquanto um só organismo vivo – ao erguer as mãos para formar a Genki Dama; como faria futuros adultos a entenderem que o protagonista da história, mesmo que fosse naturalmente muito forte, não conseguiria salvar o mundo sem passar o tempo todo em treinamento, dedicando-se e se aprimorando ininterruptamente.
Além disso, não deve ter imaginado como iria ajudar um garoto que sofria de bullying na escola a não matar os seus adversários – mas, pelo contrário, e inspirado pelo seu anime, descobrir que sabia desenhar e, desenhando aqueles lutadores de olhos grandes, cabelos espetados e roupas estranhas de artes marciais, ser admirado e respeitado pelos demais – e até pelos vilões da classe.
Ainda hoje, a verdade é que aquele mesmo garoto gostaria de ter uma nuvem dourada e voadora que o levasse de volta às manhãs nubladas dos sábados da infância, nas quais, ainda de pijamas, acompanhava um personagem gordinho, sem nada na cabeça senão a vontade de se aventurar, enquanto ainda de remela nos olhos e comendo alguma besteira assistia ao tempo não passar.
Uma geração de postulantes a pilotos de nuvens voadoras que conviveu com o mesmo dilema: e se eu conseguisse reunir as esferas do dragão? Qual desejo eu faria?
À época, talvez desejássemos ser mais fortes que o amigo chato da turma, ou ter uma loja de doces ou de videogames; em dado momento, ser rico e possuir um carro importado; ou, ainda mais à frente, já na idade do Mestre Kame, simplesmente ter saúde e longevidade ante o medo inescrutável da morte. Hoje, quem sabe, ressuscitar o próprio Akira Toriyama que desencarnou dias atrás. E até reflito sobre a vergonha que o dragão, o Deus Shenlong, chegou a sentir quando, após tanto esforço e luta, alguns que conseguiram reunir as esferas do dragão pediram apenas dinheiro e… sorvetes!
Penso que muitos desejos surgem e desaparecem porque prioridades mudam, porque necessidades mudam, porque gostos pessoais mudam também. Mas também me pergunto: enquanto a infância acontecia, quem é que varria as amarelinhas da calçada, reunia os chinelos no meio da rua, recolhia a bola (antes que fosse atropelada), fazia o suco para os amigos que eu havia teletransportado (e, depois, lavava os copos), preocupava-se com nossos adversário, lutava contra criaturas impossíveis nas reuniões de classe e, ainda no mesmo dia, precisaria em tão somente meia hora conjurar a janta como se ela estivesse o tempo todo pronta dentro de uma cápsula de remédio? Tudo para que, na abertura e nos encerramentos da história, sequer aparecesse na vinheta ou constasse nos créditos?
É o Dia Internacional das Mulheres, e, hoje, todos sabemos o que Shenlong também sempre deve ter sabido em sua magnanimidade: que o desejo delas sempre foi o mesmo. Esse desejo, esse íntimo e dracônico desejo de terem direito a desejos iguais – e que nunca mudou.
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Schleiden Nunes Pimenta é mineiro de Campo Belo. Advogado e escritor, tem obras publicadas e premiadas no Brasil e no exterior. Cria em vários campos literários, da poesia ao romance, do infantil ao terror, sempre em busca do novo de si mesmo e do que sente necessário à evolução planetária, permeando contextos de crítica social e que flertam com o absurdo. Autor de “Contos Jurídicos” (Lumen Juris, 2016), “A Bruxa de Paris” (Cartola, 2021), “De volta à Recoleta” (Caravana, 2022), “Vermelho como Brasa” (Folheando, 2022), “ångelo” (Toma aí um Poema, 2023) e “O Sol sobre mim” (Arpillera, 2024), é um vegano defensor do meio ambiente e dos direitos de todos os animais.