No Brasil é 8 ou 80 – sobre a lei que obriga artes visuais, teatro e dança na educação básica

No Brasil tudo ou é totalmente excluído ou totalmente obrigatório, tudo é 8 ou 80.

Com a mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – 9.394/96), além da já instituída música, as artes visuais, o teatro e a dança se tornaram obrigatórios na educação básica, ou seja, nos chamados antigamente de ensino fundamental e médio. E como todos já sabem, existem mais um monte de disciplinas impostas, incluindo todas as matérias do tipo português e matemática, e outras, por exemplo, a amada por uns, odiada por outros, educação física.

Essa palavra “obrigatório” me incomoda um pouco. Sempre fui uma criança com uma aura rebelde, e oras, sou um artista de signo sagitário. Mas será que não seria mais interessante permitir aos alunos escolherem as disciplinas que mais lhes interessam?

O deputado Alessandro Molon disse o seguinte: “O incentivo ao ensino dessas linguagens artísticas propicia, simultaneamente, o desenvolvimento pessoal do indivíduo e a preservação da cultura nacional”. Pessoalmente, como artista e historiadora da arte, estou totalmente de acordo com a afirmação e acredito que o acesso à arte e à cultura, com uma familiarização desde a infância, combate a ignorância, pelo menos parte dela. A lei é de certa forma uma evolução, porém, acredito que na direção errada. Permitam-me contar-lhes uma historinha:

No ensino fundamental, eu era a exceção da classe e não tinha nada contra matérias como português e matemática, era boa nelas sem fazer muito esforço – apesar de obviamente preferir passar o dia brincando em casa – enquanto odiava e era realmente péssima nas aulas de música e educação física – ódio que sobreviveu até o fim do colegial nessa segunda. Na primeira eu só mexia os lábios sem emitir sons, em protesto puro e simples, na educação física, eu fugia mesmo, e, quando não dava, ficava lá parada de braços cruzados na quadra enquanto os coleguinhas saiam fazendo cestas e gols. Obviamente eu era sempre a última a ser escolhida e isso quase custou amizades, autoestima e minhas possibilidades de apreciar esportes na vida adulta. Hoje eu adoro esportes – os individuais ou de dupla, sem time, sem bolas – graças à minha mãe que me obrigou a fazer dança a partir de uns nove anos de idade e eu acabei gostando. Porém eu poderia ter odiado esportes para sempre e teria me tornado um adulto sedentário, por causa da obrigatoriedade da disciplina na juventude.

Eu acreditava que essas disciplinas eram inúteis, já que todo mundo ganhava nota alta, mesmo sem fazer nada. Para meus coleguinhas era a alegria ter nota alta no boletim sem estudar e, sobretudo, uma chance de escapar por algum tempo de matérias consideradas tediosas. OK, nesse caso de preferir matérias “tradicionais” em detrimento de outras, eu posso ser a exceção, mas muitos nunca gostaram de educação física, e talvez alguns sejam sedentários até hoje por causa dela. O mesmo pode acontecer com as matérias “tradicionais”, a música, a filosofia, a sociologia, e as recém-chegadas artes visuais, teatro e dança.

No colegial, por exemplo, eu fazia greve à sociologia, fechava meu material e ficava esperando o sinal tocar, por pura ignorância, pois achava que somente o que caia no vestibular valia a pena ser estudado. Depois do estudo da disciplina na faculdade – quando eu havia me tornando mais madura– eu simplesmente adorei os temas estudados e mesmo agora depois de formada, sempre procuro livros sobre o assunto para continuar lendo.

Mas e se houvesse uma escolha? E se o aluno pudesse a cada semestre escolher algumas matérias opcionais, sem saturação por tempo excessivo passado na escola – sim, eu acho que criança tem que ter tempo para brincar. Sendo somente algumas realmente básicas como português e matemática, obrigatórias, e outras talvez com um mínimo e máximo de horas a ser escolhido durante o ano. E os professores de educação física me perdoem, atualmente eu realmente gosto de esportes, mas essa história de que a educação física é obrigatória pelos benefícios do esporte à saúde não faz nenhum sentido. Os alunos que gostam continuariam escolhendo a matéria, e os que não querem de jeito nenhum participar fazem como eu fazia, caso haja obrigatoriedade, e ficam lá parados olhando para o céu enquanto as bolas voam para todo lado em uma brincadeira de queimada, por exemplo.

Pode ser que nesse contexto de grade curricular flexível, o ódio por algo praticado à força pudesse ser trocado por uma curiosidade saudável pela disciplina que seria escolhida voluntariamente em um momento oportuno.

Na França e Estados Unidos, por exemplo, é assim que acontece. Inclusive, há a possibilidade de escolha de idiomas, a qual atualmente obviamente o Brasil não está preparado para oferecer, dado que nem o inglês é ensinado de maneira que se aprenda realmente a ser falado nas escolas – e nisso inclui também grande parte das escolas particulares – e somente os com condições para pagar uma escola de inglês particular podem aprender a língua. Isso quando até mesmo a escola de inglês não é uma bela enrolação, com uma quantidade de livros sem fim a serem terminados, e sem grande resultado, tal qual a escola tradicional.

Não somos a França, não somos franceses, mas será que não seria possível encontrar uma alternativa parecida, menos engessada, envolvendo escolhas nas escolas brasileiras? Está certo que a escola pública tem muitos problemas da maneira que é, deixando a desejar em vários pontos, e, claramente, um calendário flexível exigiria ainda mais organização. Porém, é um fato totalmente clichê que a educação precisa melhorar e evoluir, o que esperemos que aconteça em um futuro não tão distante. Se e quando essa mudança acontecer, a proposta com disciplinas flexíveis seria no mínimo desejável. Porque a palavra escolha gera tanto medo? Nem sempre os jovens vão fazer as escolhas erradas. Rebeldia é a marca da juventude, e, obrigatoriedade, só a estimula ainda mais.

Fontes:

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-CULTURA/493165-CAMARA-APROVA-DANCA-E-TEATRO-COMO-DISCIPLINAS-OBRIGATORIAS-DA-EDUCACAO-BASICA.html

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2016/04/senado-inclui-danca-artes-visuais-e-teatro-no-curriculo-do-ensino-basico.html

 

Imagem de capa: https://www.youtube.com/watch?v=dgU2YL7otfE

 

Revisado por Juliana Skalski

 

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