Já disse aqui que as boas histórias servem para muito além do entretenimento. E quando as histórias são transmitidas pela literatura, os resultados são também para além da sensação aprazível que se tem durante e após o término de um bom livro. Não pretendo tecer louvores demasiados à literatura. Posso até estar exagerando quando digo que a literatura é uma forma de libertação, mas o faço dentro de um contexto em que o referencial semântico do termo utilizado (“libertação”) se explica e se aplica ao que aqui se expõe.
A literatura não necessita de uma função para que se justifique. Mas é inegável que ela gera efeitos benéficos, de modo que acaba desempenhando um papel importante onde quer que se situe. Vejo que os ganhos adquiridos por aqueles que desfrutam da literatura são vastos: aperfeiçoamento do vocabulário, melhoria na própria escrita, aprendizado de coisas novas, reflexões resultantes da escrita, prazer, entre muitos outros. E o que viria a ser a literatura? Esse é um ponto que eventualmente acaba gerando polêmicas desnecessárias, afinal, querer intelectualizar a literatura no sentido de taxar que somente parte de tudo aquilo que é produzido seria de fato literatura, é uma atitude pedante e desmedida. Ora, podemos separar eventualmente, mesmo com os riscos do subjetivismo, o que se entende por literatura boa e literatura ruim (a qual o mercado está cheio), mas dizer que determinada obra não é literatura soa demasiadamente forçoso.
O mercado literário tem se expandido cada vez mais. Mesmo com as notícias que sempre entoam a pequenez de leitores brasileiros, percebo em meu íntimo que há um aumento significativo no número de leitores – isso, ou eu que tenho a sorte de possuir vários conhecidos que praticam o hábito da leitura. Seja como for, podemos observar que as novas publicações não param. O mercado literário vem recebendo novidades a todo o instante. Quem costuma frequentar livrarias ou acessar sites que vendem livros pode perceber que o fomento de novas obras é constante. Isso tem seu lado bom e ruim. Segundo Rosa Montero, “todos sabem que atualmente os livros fazem parte do mercado e são vendidos com técnicas comerciais tão agressivas quanto as dos fabricantes de refrigerantes ou de carros”. Daí que se vê, por exemplo, o fenômeno dos “livros-cópias-escancaradas”: com o estouro de um romance ou de uma série/saga de determinado gênero literário, chovem livros parecidos – réplicas confessadas muitas vezes até mesmo pelas capas das obras. Digo que esse é apenas um exemplo, dentre outros que poderia se apontar, dos fatores ruins (eu vejo por tal ponto crítico) da explosão do mercado literário.
Ainda assim, mesmo considerando questões que poderia pontuar como negativas, vendo o todo, prefiro que seja como ocorre. Desta forma, livros chegam à pessoas que dificilmente teriam paciência ou vontade de ler os clássicos. Claro que há vários desses livros que nem se comparam aos grandes e outros dignos de respeito. Mas talvez esse fenômeno de “ler o simples” possa servir com porta de entrada para que um dia, quem sabe, o “recém-leitor” se aventure em obras mais robustas. E seja como for, avançando-se ou não nas obras literárias, é importante frisar que independente da obra lida, alguns dos benefícios advindos da literatura também acabam sendo atingidos, pois leitura também é entretenimento.
Além de tudo, digo que literatura é uma forma de se analisar a vida, interpretando-a, (des)mistificando-a, contemplando-a. Literatura é arte. Literatura é o abstrato e o concreto que se unem. Literatura se justifica por si só, pois conforme já dito, seus benefícios são notórios. Com a literatura é possível ver as coisas com outros olhos. Nos dizeres de Lenio Streck:
Há vários modos de dizer as coisas. Uma ilha é um pedaço de terra cercado por água, mas também pode ser um pedaço de terra que resiste bravamente ao assédio dos mares. É comum dizer que o galo canta para saudar a manhã que chega; mas, quem sabe, ele canta melancolicamente a tristeza pela noite que se esvai.
Eis a magia da literatura. E aqui chego no ponto que exponho no título do texto: a literatura pode ser libertadora.
Alain de Botton, em seu livro “As Consolações da Filosofia”, apresenta um pouco da filosofia de seis grandes nomes de tal área do conhecimento, vinculando preceitos, dicas e ensinamentos de filósofos com consolações para os percalços e dificuldades da vida. De certa forma, o livro acaba ganhando uma aura de autoajuda filosófica: através da leitura, há libertação. “Os Ensaios”, de Montaigne (cujo filósofo é um dos abordados por Alain de Botton), contém diversas abordagens que desamarram o leitor de determinadas estipulações sociais muitas vezes irrefletidas.
Dias desses, numa livraria, vi um título no balcão de lançamentos que me chamou muito a atenção. “Farmácia Literária”, era o nome. Mesmo encantando com o título, não levei um exemplar comigo. Li de relance sobre o que abordaria a obra e, como imaginado, tratava-se de uma forma de guia para a “cura de males” através de obras literárias. Que ideia maravilhosa. Não posso tecer qualquer comentário sobre o livro, pois não o li, mas a ideia trabalhada já me convence. É que a leitura pode proporcionar diversos ensinamentos pelos quais o leitor passa a adotar uma nova postura, ensejando assim em mudanças na própria vida. Por isso que se diz que a literatura é libertação.
Émile Faguet define a própria leitura como sendo uma arte. É o que o autor chama de arte de ler: “a arte de ler é a arte de pensar com um pouco de ajuda. Consequentemente, tem as mesmas regras gerais da arte de pensar”. Pratiquemos, portanto, essa arte. Corramos atrás de novos leitores. E que sejam bem acolhidos aqueles que iniciam nessa arte. Superemos os preconceitos no campo literário: não somos obrigados a ler o que julgamos ruim, mas sem perseguição contra aqueles que gostam, por favor. Eu também torço o nariz para muita coisa ruim, simplória ou até mesmo besta que vejo sendo lançada, mas procuro me esforçar para aumentar o meu nível de compreensão. Ler, seja o que for, pode ser libertador. A literatura também liberta!
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BOTTON, Alain de. As Consolações da Filosofia. Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
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FAGUET, Émile. A Arte de Ler. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
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MONTERO, Rosa. A Louca da Casa. 2ª Ed. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2016.
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STRECK, Lenio Luiz. TRINDADE, André Karam. (Organizadores). Direito e Literatura: da Realidade da Ficção à Ficção da Realidade. São Paulo: Atlas, 2013.
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