“Mulher chorando” (1937), Pablo Picasso
Quantas lágrimas são necessárias para que um lamento se transforme em uma enxurrada? Não existe medida correta para algo virar dor ou tornar-se desespero. A mulher se preparou para uma festa: colocou seu melhor casaco, ajeitou o chapéu vermelho sobre a cabeça, o laço azul destacando-se na moldura dos seus cabelos loiros. Está bonita, elegante, e anseia por risadas, despreocupação e – quem sabe – um pouco de amor, como todos nós. Não sabe ainda o seu destino aterrador de musa. Ela não existe como mulher, mas é um poço de angústia e, naquela noite, o pintor cobiça as suas lágrimas como se fossem os diamantes brotando de uma fonte inesgotável. Ele a provoca. Xinga. Bate. Ridiculariza. A noite, que se imaginava feliz, vira um arrastar de tristeza, uma pedra de Sísifo repleta de calosidades. Enfim, a mulher está no ponto desejado pelo artista, uma panela de pressão prestes a explodir, e as lágrimas azuladas rebentam do seu corpo – flores na primavera -, no início lentas, doloridas, escavando rios em meio à maquiagem outrora festiva, agora virada em um rasgo de dor, e, em seguida, abundantes, largas, infinitas. A mulher pega o lenço e, com o pano amarrotado, tenta conter o fluxo de medo, mas em vão. Na sua frente, o pintor exulta enquanto a esboça, cada vez mais rápido, na expectativa de não perder o capricho de cada gota impregnada de sal que adultera a juventude do outrora alegre rosto. Todas as pessoas que choram são iguais; somos irmãos nas lágrimas. O rosto da modelo se desfaz em um borrão indistinto no qual se mistura suor, lenço, maquiagem e lágrimas, e nós já vimos esse semblante: já fizemos alguém chorar muitas vezes, já olhamos nosso rosto em algum indecente espelho após a passagem da tristeza deixar suas marcas no nosso espírito. O pintor quer que as pessoas pensem nas ocasiões em que choraram e, para isso, usa a mulher sem piedade, para que a dor de um expresse o sentimento de todos, mesmo que ela o odeie, mesmo que ele a faça sofrer, mesmo que ela não queira tal encargo. Nós também somos o pintor – estamos sempre cobiçando que os outros chorem. Portanto, não perguntes por quem a mulher chora, pois ela chora por ti.
Fonte da imagem: Site da Tate Modern. (c) Succession Picasso/DACS 2002 / Photo (c) Tate
Você pode comprar livros sobre o artista aqui