Leituras e releituras

Em certo nível, toda leitura é uma releitura. Digo aqui releitura não apenas como enquanto a reinterpretação de uma obra, mas também como o mero ato de reler algo que já foi lido. O leitor que tem o primeiro contato com a obra, faz uma nova leitura de algo que já foi lido – seja por outro leitor, seja pelo próprio autor. Daí que, se assim se considerar, pode-se dizer que, para além de leituras, há releituras: a releitura de algo que já foi lido por outro, e a releitura de algo que o próprio leitor já leu.

Todo o tipo de releitura enseja numa contribuição significativa para as percepções que se tem sobre uma obra. Algum ponto que possa ter passado despercebido por um leitor, acaba sendo pontuado por outro, de modo que pela troca de interpretações feitas sobre determinado livro, é possível manter um espírito que se faz em cima da ideia da obra sempre presente e até mesmo em constante mutação.

Da mesma maneira, determinada passagem de um livro pode não receber tanta atenção de um leitor, quanto para outro essa mesma passagem acaba sendo realçada, acarretando inclusive numa interpretação diversa acerca da mensagem transmitida naquele ponto da obra.

Nesse tipo de releitura, o diálogo se faz necessário a fim de que as diversas percepções possam entrar em contato umas com as outras, ensejando num fenômeno que se faz presente na ordem do discurso, dialético ou não. Isso pode ocorrer das mais variadas formas: cafés literários, saraus, clubes do livro, resenhas, análises sobre obras, debates e afins.

Note-se que cada forma de se estabelecer um diálogo sobre determinada obra, possui suas próprias especificidades. Algumas formas exigem procedimentos formais, enquanto outras prezam mais pela liberdade de análise. Também pode se dizer que algumas formas requerem um contato ao vivo entre os leitores, olho no olho, a fim de se estabelecer esse diálogo literário (os cafés literários e os saraus, por exemplo), outras possibilitam que o diálogo seja procedido superando fatores como tempo e espaço (resenhas e artigos que analisam obras, por exemplo).

Essas novas e diferentes percepções sobre uma mesma obra também podem acabar sendo tidas pelo próprio leitor original. Qualquer pessoa que já releu um livro sabe muito bem disso. Quando da nova leitura, sempre se faz presente a percepção de outros pontos que tinham passado despercebidos na primeira leitura. O contexto em que estava inserido o leitor quando da leitura original, que é diferente de um outro contexto quando da nova leitura sobre aquela mesma obra, é um dos fatores que também explica as novas observações feitas nas releituras, e essa ideia de contexto pode ser lida de diversas formas: idades diferentes na leitura/releitura, condições sociais, problemas pessoais do leitor diferentes em cada época da leitura/releitura, enfim, qualquer questão interna ou externa que mude entre as leituras.

As releituras, ditas aqui agora no sentido de quando o leitor lê novamente uma mesma obra, possibilitam uma maior absorção, compreensão, interpretação, da mensagem contida no livro. “Ler é agradável e reler é, às vezes, ainda mais agradável”, diz Émile Faguet, que ainda defende que:

ao reler, nós nos comparamos a nós mesmos, percebemos as ascensões e as decadências – estas mais frequentes – de nossa inteligência geral e de nossa inteligência crítica, traçando assim, as curvas de nossa vida intelectual e moral. Acrescente-se que, qualquer que seja o autor que releiamos, se o sentimos mais, se o sentimos menos, se o compreendemos mais, se o compreendemos menos, a causa está nos próprios acontecimentos de nossa vida e, em consequência, reler é reviver.

Vale ainda lembrar que existem diversos livros que somente pelas releituras é que se faz possível compreendê-los de fato.

As leituras e releituras, em todas as suas formas possíveis, são de fundamental importância tanto para o autor como para o leitor. A ideia é a de que a mensagem transmitida com o texto contido no livro seja compreendida e absorvida pelo leitor. Entretanto, nem sempre a absorção do todo intentado se faz presente numa primeira leitura. Daí a importância das releituras, dos diálogos, do discurso literário se mantendo sempre vivo.

Releiamos, portanto, pois, citando novamente Émile Faguét, “reler é ler suas memórias sem se dar ao trabalho de escrevê-las”.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FAGUET, Émile. A Arte de Ler. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
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Fonte da imagem:

https://artrianon.files.wordpress.com/2017/04/99ddc-lendo.png

 

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