Com quem você conversa sobre aquilo que lê?
Há um episódio de uma antiga e famosa série, “The Twilight Zone”, que até certo ponto pode soar onírico para nós, leitores. Trata-se da história de um senhorzinho que amava a leitura. Sempre que podia, estava lendo. Os livros sempre o acompanhavam onde quer que estivesse. Sua maior frustração era a de não poder dedicar o tempo que entendia necessário para a leitura.
Alguém se identifica?
Como os episódios de “The Twilight Zone” sempre eram envoltos pelo trágico, pela fantasia, pelo espantoso, com esse não foi diferente. O mundo acaba. Tudo explode. Sobrevivem apenas o senhorzinho e várias pilhas de livro. O que seria algo desesperador se transforma num sonho realizado. Finalmente o senhorzinho teria todo o tempo do mundo, livre, sem quaisquer compromissos, para se dedicar exclusivamente à leitura. Diversos livros estavam ali à sua disposição. Com o fim do mundo, nada mais impediria os seus próximos momentos de leitura. E assim o senhorzinho viveu feliz para sempre.
Ok, a história não acaba bem assim. Não recordo de finais felizes nos episódios da série. Como mencionei, o trágico sempre se fazia presente em “The Twilight Zone”. Mas para o exercício reflexivo do presente texto basta a história até onde aqui foi contada. Quem tiver curiosidade em saber como o episódio termina, recomendo fortemente[1].
Situemo-nos no lugar do senhorzinho. Seríamos nós, ávidos leitores, amantes da escrita, devoradores de livros, felizes se o mundo acabasse e restassem apenas os livros? Pensemos para além das demais necessidades biológicas para a própria sobrevivência. É um exercício direto e específico. Será que desistiríamos de toda a nossa vida para que pudéssemos dedicar todo o tempo do mundo para a leitura?
É certo que os leitores mais contumazes não possuem o tempo que entendem que precisam para a dedicação à leitura. Sempre queremos mais. Mas temos diversos compromissos (trabalho, família, lazer…) que impossibilitam que possamos ler tanto quanto gostaríamos. Temos que arranjar tempo para fazer as coisas que queremos. Dividir o pouco espaço com os diversos compromissos, obrigações e necessidades que temos é uma tarefa hercúlea, mas sempre é possível encaixar aquele tempo necessário para a leitura. Basta querer, como já disse aqui certa vez. Ainda, por mais que pratiquemos a leitura (em todas as suas formas) num nível satisfatório, sempre queremos mais e mais.
No entanto, não consigo ver com bons olhos o caso do senhorzinho. Tudo bem que ele conseguiu realizar o sonho de vários leitores, pois passou a ter todo o tempo do mundo disponível para dedicar à leitura. Mas e aí? Será que ele seria de fato feliz com tal realização? Afinal, quando lemos, lemos apenas para nós mesmos? O conteúdo que absorvemos dos livros passa a residir e acaba morrendo em nós? Ler possui um significado para além do próprio prazer proporcionado pela leitura?
Devemos conversar sobre as nossas leituras. Penso que até mesmo aqueles leitores mais acanhados ou reservados não abririam mão de uma conversa sobre uma obra lida. Ansiamos por encontrar alguém que tenha lido um livro em comum a fim de iniciar um bom e proveitoso diálogo. Convivemos com muitas frustrações provenientes de nunca termos encontrado alguém que tenha lido esse ou aquele livro, impedindo assim que possamos conversar sobre. Nossas leituras promovem conexões, estabelecem conversas, unem pessoas, iniciam debates, incutem reflexões, e tudo isso é ampliado quando colocada em prática uma arte que vai além da arte da leitura – a arte da conversa sobre a leitura.
As conversas sobre nossas leituras podem ocorrer de diversas formas: num café literário, num congresso, na mesa de um bar, numa biblioteca, num almoço em família, no ponto de ônibus, em redes sociais, em textos como o presente, enfim, qualquer lugar é lugar, basta ter vontade de promover a transmissão do conteúdo que foi adquirido com nossas leituras.
Quem nunca passou a ter também outra visão sobre determinada obra após um debate sobre esta? Quem já passou a perceber detalhes outrora despercebidos após a releitura de um livro (muitas vezes mencionados por terceiros)? Quem nunca ficou extasiado após uma boa conversa sobre determinada obra literária? Eis alguns dos vários motivos pelos quais se faz necessário estabelecer um diálogo sempre aberto sobre as nossas leituras. Conversemos sobre os livros que lemos, dialoguemos sobre os escritos que estudamos, discutamos sobre as obras que passam por nós. Libertemo-nos de quaisquer amarras que impeçam a disseminação das nossas leituras. Ir além é preciso.
Avante, leitores. Conversemos sobre as nossas leituras!
Fonte da imagem:
https://artrianon.files.wordpress.com/2017/08/d7c00-book.jpg
[1] Oitavo episódio da primeira temporada da versão original da série: “Time Enough at Last”
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Gostei dos aconselhamentos, dos conselhos, achei-os enriquecedor… o mundo já andou mais devagar, no tempo que não havia redes sociais, havia enciclopédias, livros e livros… não lia Ovídio, Virgílio, Cícero, Victor Hugo, mas o Ronald, lia-os, bem como Castro Alves e outros… todos interessantes, nesses tempos… era maravilhoso! … quem era o Ronald, meu irmão mais velho, e muito afeiçoado a mim, porque meu ar de sonsa, e desligada de qualquer filosofia, mexia com ele. Queria me fazer uma intelectual. Ele se foi… encantou-se, mas tenho hoje as redes sociais… um cem números de blogs e uma diversidade de escritores sobre muitos assuntos. Encantam meus olhos, e minhas vontades em zonas de conforto. Uma ainda, é ler. Vou ficar encantada, e por aqui mesmo. Guimarães e todos os demais, que me perdoem. Parabéns, Dr Paulo Silas Filhos, apesar de outras tarefas me chamarem ao labor do dia a dia, aprecio ler e ler muito.
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