Alguma vez você já assistiu a um filme que te fez pensar duas vezes se você deveria continuar ou se teria estomago para aguentar tudo aquilo que vinha a seguir? Bom, se não, você já assistiu o filme “Peles”?
Baseado no curta que o próprio diretor, Eduardo Casanova, fez alguns anos antes e intitulou de “Eat My Shit”, “Peles” é um drama que mostra a vida de algumas pessoas que possuem uma deformação e precisam encontrar maneiras de ocultar suas diferenças e lidar com o preconceito social. Usando deformidades doentias, como o caso de Samantha, uma menina que nasceu com o orifício anal no lugar da boca, o diretor conceitua a empatia social.
Você deve estar se perguntando: Mas que tipo de filme é esse? Ele quer realmente ser levado a sério expondo uma mulher e seu sofrimento por ter um ânus no lugar da boca? Sim. É grotesco? Imundo, eu diria, mas funciona. Ao mesmo tempo em que o filme logo de cara já mostra toda a barbaridade que vem pela frente, ele trás um alívio por ser algo visualmente muito bonito, graças a manipulação de seu público através das cores.
Aliás, manipular o público é uma das coisas mais terrivelmente divertidas do cinema e da mídia em geral. Você, eu e todo mundo que ama a sétima arte, com certeza já foi persuadido por algum tipo de tática inteligente dos filmes: seja um ângulo diferente, a trilha sonora ou então através da psicologia das cores. A cor de fato é o ponto mais interessante, inteligente e intrigante de se conectar e enganar o seu público, fazendo-o sentir determinada emoção em um momento necessário. Mesmo que a palavra manipular soe de forma bem negativa (e realmente seja), muitas vezes estas palhetas de cores são usadas de forma oposta, isto é, positiva. Seja para equilibrar ou até suavizar outras coisas grotescas que estão dividindo sua atenção em tela e esse é o caso da trama em questão.
Funciona da seguinte forma: todos os personagens mostrados em cena tem algum tipo de deformidade, seja física ou moral. Alguns tem o rosto deformado, outros têm fetiches sexuais por pessoas deformadas e alguns personagens podem ser entendidos como pedófilos, mas a todo momento a trama tenta te jogar algo visualmente incômodo ou até mesmo uma situação pior ainda, mas enquanto isso ocorre, as cores violeta e rosa, que são predominantes em “Peles”, começam a dar as caras e a mexer com o seu psicológico.
Na maioria dos estudos de psicologia das cores o violeta remete ao erótico, misterioso, cruel, arrogante, sensível e íntimo. Enquanto o rosa representa amor, inocência, saúde, felicidade, satisfação, romance, charme, brincadeira, suave, delicado e etc. Então sim: o diretor quer que o seu cérebro fique bastante confuso.
Enquanto as cenas dizem e mostram coisas doentias, a arte acontece por trás: as cores vem e te trazem calma, te remetem a coisas fofas e suaves. Conforme o seu cérebro vai se perdendo, você começa a ter mais empatia pelos personagens e começa a pensar em como é ser deficiciente e ser julgado diariamente por algo que você não pode mudar.
A idéia é justamente essa: se para você isso é visualmente incômodo, imagina para quem precisa se olhar no espelho todos os dias e aceitar a forma como realmente é. Isso não seria tão pesado se a sociedade não julgasse tanto tudo o que foge do seu padrão estético. Toda essa discussão social e filosófica se enriquece esteticamente por um trabalho de direção de arte tão bem executado, sendo até a sopa da personagem Samantha, violeta.
Um adendo interessante é que o telespectador é convidado a pensar sobre problemas sociais e a forma que os vemos de uma maneira muito sutil. Por que ficamos espantados em ver uma pessoa que sofre com alguma deformidade e não ligamos muito para o personagem pedófilo que abandonou a família?
No ponto de vista cinematográfico, o filme é um plus para o cinema espanhol e mundial. Ele renova e leva a estética bizarra para outro nível. Se antes estávamos acostumados com diretores que tentavam trazer uma estética mais assustadora, como Tim Burton no seu começo de carreira ou como Yorgos Lanthimos vem trazendo para o cinema alternativo, aqui vemos o nojento sair do cinema B e ser colocado em outro patamar sem precisar cair no gosto popular que suavizou a maioria dos diretores que começaram com essa pegada.
A verdade é que apesar das ótimas idéias e da brilhante executação de estética, o roteiro acaba se perdendo no meio de tantos personagens que precisam crescer e mostrar que são muito mais que deformações. De qualquer forma, a mensagem consegue ser passada ao telespectador, que acima de tudo se propõe a enxergar além do que os seus olhos conseguem ver e isso é a arte mais pura.
Faça um teste com você mesmo: assista a “Peles” e se proponha a notar até os mínimos detalhes do que está vendo. Aproveite e se estude. Veja o quanto tal coisa te incomoda e outros problemas bem próximos da nossa sociedade não. Além de tudo, o filme é ótimo para discussões cabeças de barzinho, mas não é aconselhável para pessoas de estômago fraco que estão comendo.