Cartas ao Artista: Querido Méliès

Georges Méliès, ainda vale a pena sonhar?

Por mais que eu tenha feito faculdade de publicidade, devo dizer que o cinema sempre esteve intrínseco em mim. Era fácil passar os fins de semana com a minha família, afinal, eles me levavam ao cinema e sempre me alimentavam com essa cultura, que ia de todos os extremos: de Pokémon (febre do momento) até o Sexto Sentido e eu adorava.

Ir a locadora então… era uma das melhores coisas que a minha família fazia. Era o nosso momento sabe? E até hoje quando saio com os meus pais, muito provavelmente é para ir ao cinema e sinto que o nosso amor cresce ali, conversando de forma sincera sobre uma coisa em comum que temos: a mágica dos filmes.

Mas esse realmente não é o ponto onde quero chegar, contei essa pequena história apenas com o intuito de te mostrar que fui criado nesse universo, mas nunca imaginei em trabalhar nele. Na verdade, nunca me achei muito capaz. Mas conforme me afastei um pouco e sem querer voltei ao mesmo, percebi que não tinha como fugir, eu quero fazer as pessoas sonharem, eu quero escrever e criar mundos que de alguma forma possam se comunicar com o mundo que cada um, sentado na poltrona, habita. Sempre que pensei na possibilidade quase inexistente de trabalhar com roteiros e cinema, sempre tive um prazer enorme em pensar que eu poderia criar um cinema humano e ainda assim ter muita mágica envolvida.

Mas tenho essa dúvida: ainda vale a pena sonhar?

Estava em uma aula de audiovisual, e a professora fez uma pequena aula introdutória ao cinema e fez uma pequena linha do tempo (que no fim das contas nem é pequena). Claro que ela passou em você, ou melhor, praticamente começou em você (antes ela falou sobre Alice Guy e fiquei muito triste por o mundo esquecê-la, mas isso fica para outro dia). Por mais de quarenta minutos a professora se dedicou a soltar elogios para você e apenas parou quando quis mostrar “Homem da Cabeça de Borracha” e meu deus, foi de impressionar. Você criou aqueles efeitos em 1901!

Depois de muito impressionado e admirado mais ainda pelo seu trabalho, voltei para casa me questionando se ainda valia me dedicar ao cinema e todo esse meu lance de audiovisual. Quer dizer, ainda dá para criar algo novo? Com tanto filme por aí de tanto assunto e ideia, gênero e bizarrice diferente, fico pensando se ainda existe a possibilidade de gerar algo surpreendente ou visualmente novo sem cair no ostracismo.

Principalmente quando vejo esses seus filmes e o quanto você batalhou e ficou horas sem dormir para criar um efeito que hoje é realmente possível fazer apenas apertando um botão no teclado do meu computador e pior ainda, qualquer criança de treze anos faz. Será que é possível criar algo em cima de tanta coisa saturada e feita apenas para lucrar? Pelo menos na sua época o cinema soava mais poético e ingênuo, sendo um dos primeiros passos da revolução da comunicação midiática. Hoje em dia é tão banal que o que tem de menino gravando vídeo fazendo crítica de cinema é absurdo.

E cá aqui entre nós: acho-me prepotente demais quando fico com raiva dessa abrangência e das oportunidades que qualquer um tem para falar sobre algo que gosta. Ao mesmo tempo em que incomoda muito essa banalização do cinema, me questiono se quando você começou com tudo isso, não era exatamente esse o teu sonho: o cinema para todos. No fim das contas, acho que o problema não é quem gosta de falar sobre cinema, é quem que gosta de falar mal das coisas para ser descolado. Esses sim dão tanta raiva que a vontade que dá é de pegar a cabeça deles e fazer igual você fez no seu filme: explodi-las.

Eu juro que quero sonhar Georges, é muito bom acordar, sentar na frente do computador e estudar horas e horas sobre cinema, é muito bom olhar os seus filmes e sentir a força e a criatividade que você teve do zero. É muito bom olhar o cinema e sentir que existe um espaço para nós, solitários sonhadores de plantão.

Termino meu alô com uma citação que ouvi em um filme que assisti algum tempo atrás: “Here’s to the ones who dream. Foolish as they may seem”

Um grande abraço, de um sonhador melancólico.

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