Quantas vezes você se pegou julgando alguém só por estar na mesma situação da pessoa? Um monte né? É uma situação praticamente involuntária, infelizmente. O que não podemos ver, quase que não podemos sentir. No caso de algumas síndromes que muitos convivem a vida inteira, como o Austimo, é exatamente assim, eles tem uma percepção do mundo diferente da nossa e são alvos de preconceitos e estereótipos todos os dias, pelo fato de que muitos não conseguem compreender como é estar na pele deles. Por sorte, temos Marguerite, uma personagem de um quadrinho francês autobiográfico feito por Julie Dachez, que aos 27 anos descobriu que tinha um Transtorno do Espectro Autista – a síndrome de Asperger.
Muitos devem estar se perguntando: mas por que ela resolveu expor sua descoberta em formato de quadrinhos? Por que não em um livro autobiográfico escrito em primeira pessoa? Bom, é muito simples, Julie em parceria com Mademoiselle Caroline (Adaptação de roteiro, desenhos, cores e também a narradora da história) escolheram esse formato para mostrar a sua visão e seus desafios diários de uma forma muito mais simples e direta, forma essa muito mais compreensível para qualquer leitor que não tenha o mesmo transtorno, se colocar no lugar da personagem, aprender e respeitar.
A história conta o antes e o depois da descoberta da vida de Marguerite. O antes é recheado de tons acinzentados, para passar o aspecto de invisibilidade e solidão que a mesma sentia por não conseguir socializar e por não se sentir confortável em ambientes e certos tipos de conversa. Quando essas situações estavam realmente a incomodando e até fazendo muito mal, as situações são representadas em tons vermelhos, desde diálogos até a cena inteira, como por exemplo, uma festa em que todo o ambiente é colocado nessa cor e a personagem isolada, vai desaparecendo do ambiente, mostrando o seu sentimento de deslocamento. Para não colocar tudo de forma muito extrema, ela vária nos tons de vermelho para também mostrar quando algo a incomoda, mas não é tão pesado.
Do momento em diante que ela descobre a sua situação e fica feliz de finalmente explicar o porquê sempre se sentiu deslocada em socializar, vestir algo que não fosse confortável, compreender ironias e outras brincadeiras, todo o ambiente começa a ser colorido, pois é quando ela se aceita e se compreende, deixando o mundo menos assustador para ela. Ao contrário dos tons vermelhos, conversas saudáveis e compreensíveis são colocadas em tons de azul, para mostrar o conforto e o total controle dela com a situação, mas nem por isso deixamos de ver alguns diálogos em tons avermelhados, para também dizer que as coisas estão melhores, mas uma parte da sua rotina ainda a incomoda, só que agora ela sabe seu limite.
Mesmo pelo fato da história mostrar o antes e o depois da personagem, como tudo mudou e como melhorou, as coisas não mudam tão fácil. Após as diversas situações que fizeram Marguerite procurar na internet o que sentia e perceber que poderia ter o transtorno, ela mostra a dificuldade em ter um especialista na área de psicologia que saiba diagnosticá-la da forma correta. Ela acaba mostrando que vários não aceitam que ela tenha asperger, confundindo com diversos diagnósticos como ansiedade, problemas de infância e toda a linha de raciocínio confortável que muitos “especialistas” da área tem, não querendo entender de modo muito profundo as dores de seus pacientes, como foi o caso dela.
“Ei ei ei ei, pare de ler tudo que encontra na internet, você não me parece nada com um autista. Por exemplo, você me olha nos olhos! Um autista não encara nos olhos” – Disse o mais famoso psicólogo de sua cidade.
Buscando por livros e fóruns voltados a esse assunto, Marguerite soube procurar um bom profissional, que a auxiliou da forma correta e então pode ajudá-la a dar os primeiros passos de uma longa jornada. Mas infelizmente essa não foi a ultima vez que a mesma teve que ouvir frases de desinformadas e carregadas de estereótipos como foi o caso do suposto melhor psicólogo da cidade. Como eu disse, foi uma longa jornada.
A personagem começou a se encontrar, o mundo ficou mais colorido, mas ela ainda encarou a perda de diversos “amigos” que se afastaram achando que a mesma estava exagerando, pois ela parecia NORMAL e até seu namorado que a destratava, falando que asperger era a nova desculpa da moça.
“Parece que tem a ver com vacinas!”
“Pede pra te passarem remédios contra isso.”
“Relaxa, acho que isso tem cura”
“Você só é meio tímida”
“Mas isso não é desculpa”
“Ah não, mas autista é alguém que baba e bate a cabeça nas paredes!”
“Meu deus, sinto muito, que horror.”
Esse tipo de momento na história é totalmente necessário para mais uma vez, o leitor se por no lugar dela e ver como é sufocante a sua situação diante das diversas desinformações, nos ensinando a sempre respeitar o próximo, mesmo quando desconhecemos a sua situação. Além de entender muito sobre o transtorno, nos possibilitando a ajudar alguém próximo que possa sofrer pela mesma situação de desinformação.
Por fim, a história caminha para um rumo muito positivo, ela começa a se respeitar e procurar lugares e pessoas que proporcionem situações saudáveis e prazerosas. Também mostra quando ela começa ter a ideia de escrever em um blog sobre o assunto até o momento que também começa a escrever a história que estamos lendo. No fim do livro ainda temos diversas páginas dedicadas a falar sobre o autismo, sua história, como lidar e como ajudar alguém próximo que tenha.
Para quem desconhecia a síndrome ou assim como eu, sabia quase nada, é realmente prazeroso descobrir tudo isso, além de necessário para evitar comentários desrespeitosos. O livro A Diferença Invisível foi publicado no Brasil esse ano, pela editora nemo (em minúsculo mesmo) e pode ser encontrada na maioria das livrarias do país por um preço muito acessível. Leitura recomendadíssima.
Para saber um pouco mais, a própria editora publicou um vídeo mostrando mais da história!