A poesia de Adélia Prado

Adélia Luzia Prado de Freitas, ou Adélia Prado nasceu em Divinópolis, no dia 13 de dezembro de 1935. Ligada ao Modernismo, Adélia além de poetisa é também professora, filósofa e contista.

Em 1976, Carlos Drummond de Andrade recebeu o manuscrito de Bagagem, o primeiro livro da autora e incentivou sua publicação Editora Imago.

Após exercer o magistério durante 24 anos, Adélia Prado dedica-se exclusivamente à carreira de escritora.

O surgimento de Adélia no cenário literário nacional significou a valorização do feminino nas letras brasileiras. Encontramos na poetisa a figura da mulher que além de mãe e de dona-de-casa, é vista como uma intelectual que usa a arte para dar voz às mulheres de seu tempo.

Os poemas abaixo pertencem ao livro Bagagem (1975)

 

Amor Feinho

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada

Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.

(p. 97)


Ensinamento
 

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

(p.118)


Os lugares comuns

Quando o homem que ia casar comigo
chegou a primeira vez na minha casa,
eu estava saindo do banheiro,
devastada  de angelismo e carência. Mesmo assim,
ele me olhou com olhos admirados
e segurou minha mão mais que
um tempo normal a pessoas
acabando de se conhecer.
Nunca mencionei o facto.
Até hoje me ama com amor
de vagarezas, súbitos chegares.
Quando eu sei que ele vem,
eu fecho a porta para a grata surpresa.
Vou abri-la como o fazem as noivas
e as amantes. Seu nome é:
Salvador do meu corpo.

(p.89)

O sempre amor

Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças.
Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele podem entalhar-me,
Sou de pedra sabão.
Alegre ou triste,
amor é coisa que mais quero.

(p. 86)


A serenata

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

(p.84)

 

 

Referências:

PRADO, A. Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2010.

Referência da imagem:

http://aumagic.blogspot.com.br/2014/11/casamento-adelia-prado.html

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