Lembramos de tudo aquilo que já escrevemos?

Quem escreve lembra de tudo aquilo que já escreveu? O autor decora o seu próprio texto? Um escritor que eventualmente leia uma frase solta de um texto seu, sem que esteja explícita a referência, atribuirá a autoria à sua própria pessoa?

A não ser que pedaços soltos de um texto não sejam significativos de acordo com a ideia geral do escrito, creio que seja muito difícil para o autor reconhecê-los como seus. Mas não apenas isso. Em criações como um todo (a depender de atributos qualitativos e quantitativos), penso que o fenômeno do esquecimento também é possível.

Particularmente, nutro um medo tremendo de me ver personagem protagonista do seguinte cenário: um texto é apresentado ao seu autor. Esse, porém, não o reconhece. “Interessante! Quem escreveu?”, poderia indagar o próprio criador  de sua cria. Mesmo que avisado num segundo momento que o texto pertenceria ao próprio autor, a estranheza permaneceria – “Mesmo? Não me recordo desse!”. A perplexidade poderia ser semelhante àquela que se instauraria no caso de um pai que não reconhece o próprio filho.

Existiria alguma situação em que o texto estaria fadado ao esquecimento até mesmo do seu próprio autor?

Para buscar encontrar uma possível resposta para essa indagação, entendo como adequado fazer algumas distinções sobre tipos de textos e formas de produzi-los. Não pretendo aqui estabelecer um rol abrangente desses tipos e formas (deixo isso como um projeto futuro). Apenas chamo a atenção no sentido de que, a depender de determinados fatores, é possível que o autor esqueça de seu próprio texto.

Há formas e formas de se produzir um texto. Assim como há tipos e tipos de texto. Quanto às formas, não digo aqui do modo com o qual cada pessoa proceda com o seu processo de escrita. Cada um tem o seu próprio jeito de escrever: métodos, rituais, hábitos, horários e afins. As formas que aqui menciono dizem respeito à criação do texto enquanto algo arquitetado e amplamente estruturado ou enquanto algo que o autor liberta nas palavras que registra como uma espécie de descarrego.

Em qual dessas formas o resultado criativo poderia estar mais apto ao eventual esquecimento do autor? Naquele texto que é previamente elaborado, em que as arestas são pré-definidas, em que há toda uma articulação prévia ao ato de escrever, em que cada mínimo detalhe passa pelo crivo revisional do autor, em que toda a estrutura é construída parte a parte e sempre sob o julgo crítico do seu criador? Ou naquele texto que é criado por um certo tipo de necessidade, que vê a luz do dia após o parto da criatura que lhe dá vida, que ganha entornos próprios sem que tenham sido programados, que é criado freneticamente pelo seu autor – sem que haja qualquer filtro entre aquilo que vem à mente e o que é traduzido em palavras pelas mãos do escritor?

Já com relação aos tipos de textos, vejo aqui como a pretensão do autor com a produção do escrito. Com qual finalidade determinado texto é produzido? A criação se dá por um motivo específico ou advém da simples e pura necessidade de escrever? Almeja-se que o texto seja lido com outro fim que não apenas o prazer proporcionado pela leitura? Está a se falar de um texto técnico, de opinião ou literário? Veja, é mais fácil o autor manter na lembrança um texto produzido como um conto literário do que algum que tenha sido produzido como um determinado trabalho de faculdade. É nesse ponto que reside a diferença dos tipos de texto que menciono.

É diante dessas possibilidades, entre formas e tipos, que os textos tendem a ser mais memoráveis que outros para o próprio autor. Os efeitos de se manter as produções escritas na memória podem se dar em diversos níveis. A sensação prazerosa de se rememorar um antigo escrito ou perceber um plágio em textos alheios estão entre os exemplos disso. Mas será que essas lembranças, todas elas com relação a todos os textos, são possíveis?

Gosto e prefiro acreditar que sempre lembrarei de meus textos. De todos eles. Sem exceção. Mas aquele pesadelo do cenário hipotético que ilustrei me atormenta demais, como se fosse algo apontando para a obviedade de que essa minha esperança é uma crendice sem fundamento. Provavelmente seja. Mesmo porque quando considerado o texto em suas diversas formas e variados tipos, não há espaço na mente de qualquer autor para se guardar tantas lembranças. Talvez seja o caso de se fazer essa aposta esperançosa nas lembranças daqueles textos que não são feitos por obrigação – que não a do próprio espírito de escrita do autor. Esse tipo de obrigação que surge da necessidade interior do autor em colocar para fora aquilo que aflige o seu ser de alguma maneira é paradoxalmente útil, salutar necessária para que o processo de uma boa escrita permanece candente. Falo daquela obrigação exterior ao íntimo do autor, que muitas vezes (não todas) faz com que se produza algo meramente por haver uma determinação imperiosa nesse sentido. Esses podem facilmente ser esquecidos.

Para os textos verdadeiramente textos, a expectativa de que permaneçam na memória do seu autor pode ser crível ao considerar a grande possibilidade de que assim ocorra.

Espero apenas que esse escrito seja um daqueles que manterei em minha memória.


Fonte da imagem:

http://www.mulheresempreendedoraspi.com.br/site/wp-content/uploads/2017/10/2722407269-passado-_-lembrancas.jpg

 

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