A guerra é o meu livro de história. Minha solidão… Perdi a época da infância, ela fugiu da minha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez de infância tenho a guerra.
Relato de Vássia Khárevski (4 anos)
Filha de mãe era ucraniana e pai bielorrusso, Svetlana Aleksiévitch nasceu em 31 de maio de 1948, em Ivano-Frankivsk, cidade ucraniana, antiga Stanislav. A autora, que cresceu em meio às vítimas da guerra, cujos relatos sempre fizeram parte de sua trajetória, sobre sua trajetória literária, afirma:
“É assim que eu ouço e vejo o mundo – como um coro de vozes individuais e como uma colagem de detalhes do dia a dia. Desta forma, consigo ser, simultaneamente, escritora, repórter, socióloga, psicóloga e pregadora.”
Em seu livro As últimas testemunhas (1985), a autora conhecida por sua narrativa que mescla ficção e realidade, também traz ao público vozes silenciadas na história. Se em A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana nos mostra a Segunda Guerra Mundial através da perspectiva feminina, em As últimas testemunhas, a vencedora do Prêmio Nobel (2015) dá voz àqueles que testemunharam os horrores do conflito ainda na infância.
Os relatos a seguir, cuja pesquisa teve início ainda na década de 1970, nos mostram as atrocidades ocorridas durante a invasão nazista na União Soviética. Obviamente, os entrevistados eram adultos quando conversaram com a autora, porém, no livro, ao lado do nome e da profissão de cada entrevistado, consta a idade que as testemunhas tinham quando presenciaram os fatos narrados.
Jênia Belkiévitch (6 anos) operária: Nós gritávamos e pedíamos: “Não enterrem a nossa mãe na vala. Ela vai acordar e vamos continuar o caminho.”. Uns besouros grandes rastejavam pela areia… Eu não conseguia imaginar como mamãe ia viver embaixo da terra com eles. Como a gente ia localizá-la depois, como a gente ia se encontrar? Quem iria escrever para o nosso pai? (P.14)
Zina Kossiak (8 anos) cabeleireira: Tínhamos uma égua, a Maika… Ela era muito velha e muito carinhosa, nós a usávamos para carregar água. No dia seguinte mataram a Maika. E nos davam água e uns pedacinhos assim pequenininhos da Maika. (P. 25)
Tamara Parkhimóvitch (7 anos) secretária: Mas nunca consigo ficar feliz até o fim. Completamente feliz. Felicidade não é para mim. Tenho medo da felicidade. Sempre acho que logo mais ela vai acabar. Em mim sempre vive esse “logo mais”. Esse medo infantil. (P.67)
Lilia Miélnikova (7 anos) professora: Eu ficava na ponta, as pessoas ao meu lado mudavam sempre. A noite eu tocava num braço frio e já entendia que a pessoa tinha morrido. De manhã olhava, e ela parecia viva, só que fria. Uma vez me assustei… vi que ratos tinham roído os lábios e as bochechas da pessoa morta. Os ratos eram gordos e descarados. (P. 87).
Alguns números da participação da União Soviética na Segunda Guerra Mundial, ou na Grande Guerra Patriótica, como o conflito ficou conhecido nos países soviéticos:
- “Na época da Grande Guerra Patriótica (1941-5), morreram milhões de crianças soviéticas: russas, bielorrussas, ucranianas, judias, tártaras, letãs, ciganas, cazaques, uzbeques, armênias, tajiques…” Revista Drujba Naródov, 1985. n.5
- Aproximadamente cinco milhões de soldados do Exército Vermelho foram mortos, capturados ou feridos nos primeiros seis meses da guerra;
- Cerca de dois milhões de prisioneiros de guerra soviéticos morreram de fome durante apenas durante a Barbarossa;
- Ao final da guerra, 58% de todos os prisioneiros de guerra soviéticos morreram no cativeiro alemão;
- Estima-se que 1.400.000 judeus foram assassinados por “operações móveis de morte”. As instruções originais para matar “judeus em posições de partido e governamentais” foram ampliadas para incluir “todos os judeus do sexo masculino em idade militar” e foram expandidas mais uma vez para “todos os judeus do sexo masculino, independentemente da idade”. No final de julho, os alemães matavam regularmente mulheres e crianças;
- Os cidadãos de Leningrado foram submetidos a bombardeios pesados e a um cerco que duraria 872 dias. Mais de um milhão de pessoas morreram de fome, das quais aproximadamente 400.000 eram crianças menores de 14 anos.
O dia 22 de junho na Rússia é lembrado como o Dia da Memória e da Dor. Nesse dia, no ano de 1941, a Alemanha fascista atacou a União Soviética sem declaração de guerra. Essa batalha ficou conhecida como Operação Barbarrossa.
Referências:
ALEKSIÉVITCH, S. As últimas testemunhas. Trad. Cecília Rosas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
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Referências de imagens:
https://www.huffingtonpost.com/michael-skafidas/svetlana-alexievich-modern-russia_b_8328072.html
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Terrível e odiosa é a guerra, e há os que a perpetuam como solução de paz. Os governos corruptos as desfraldam com promessas e propagandas falsas. Como o ser humano, está desamparado,… No meu entender , o ser humano, precisa orar e pedir a Deus que prevaleça em qualquer coração, as premissas verdadeiras de vida, paz, e saúde.
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