“Na Natureza Selvagem” é um filme de Sean Penn. Já o havia assistido há um tempo. Porém, preferi me dar um tempo antes de escrever acerca. Pois como é um filme de excessos, por vezes as palavras não conseguem acompanhar os rios que jorram pelos poros daquela highway que percorria o personagem a que iremos dedicar estas palavras. O filme é baseado na história real que antes fora contada em um livro. Não importa aqui informar quem seria esse ator de si mesmo, me parece que Supertramp não estava interessado em identidades.
Então primeiro falemos dessas questões. O filme tem um enredo comum. Como são comuns as aflições humanas. A música do filme, composta por Eddie Vedder, tem essa conotação, simples e real, visceral. A natureza selvagem é simples. Cumpre seu rumo sem hesitar. Namora nos outonos. Gela aos invernos. Queima no verão. Se sobrevivermos, a primavera poderá nos ressuscitar. Quando Christopher McCandless, interpretado por Emile Hirsch, encerra seu curso superior, resolve sair em viagem deixando pra trás seus pertences materiais, talvez em busca de outras substâncias a alimentar sua história.
Algumas questões importam nesse filme. Além da ferocidade da natureza que leva embora a vida do jovem que queria se desvencilhar de uma existência pré-moldada, há elementos que coroam os dramas de quem resolve tomar as rédeas do seu tempo. Há uma estrada que vem trilhada pela nossa tradição, pelas escolhas de nossa família, dos pais, da escola e do Estado. Assim, voltar-se contra ela pode ser realmente tão feroz como a escolha de não se rebelar. É aqui uma questão de resiliência ou de autenticidade. Não que uma anule a outra. Mas quando o jovem queima seu documento de identidade e assume uma nova não-identidade, talvez realize em parte a desobediência civil proposta por Thourreau em seu livro homônimo.
O peso da história e da tradição pode ser anulador da invenção. Christopher de alguma forma, sem querer fazer previsões, teria uma vida boa, com dinheiro, sucesso na carreira e uma família completa. No entanto, está aí mesmo o problema que gostaríamos de saborear aqui. Ora, assim como estações do ano modificam a paisagem, dentro do espírito há também questões que não podem ser desvendadas e pré-fabricadas. Quase sem querer desvendamos a nós mesmo a cada vez que raia um novo sol. Mesmo que não saibamos para onde ele irá apontar. Essa talvez fosse o impulso de onde jorrava a necessidade do infinito que buscava agora Alexander Supertramp.
Penso que infinito seja a palavra adequada aqui. Não que o filme não permite uma reflexão sobre os tempos de hoje. Aliás, o faz muito bem. Estamos enjaulados e seguros. O Alasca é longe. A natureza é brava. Selvagem. O conforto da casa é mais cômodo. No entanto, quando esse jovem se lança ao infinito, quer encontrar aquilo que talvez Lévinas tenha chamado infinito. Esse outro indecifrável que por isso mesmo nos causa tanto medo. Tanta aflição. São tempos mais próximos de Sartre, que nos ensina que o inferno são os outros. Assim, ao invés de nos lançarmos a esse infinito, melhor que tenhamos cautela. Aproximemo-nos devagar. Se possível, tracemos a rota. Naveguemos ao invés de vivermos, na precisão que nos ensinou Pessoa.
Essa não era a dimensão de Supertramp. Quando se envereda em uma viagem sem itinerário, habita o outro. É violentado por ele. Esculpido. Acarinhado e, sobretudo, surpreendido por ele. Esse outro, sem face, de costas, sem cor, cheio de abismos que desviamos a cada previsão. Essa fuga foi um encontro. Neles nos formamos. No precipício das escolhas determinamos e não nossa estória. No precipício tem ventos de direções desconhecidas. “Que me saiba perder, pra me encontrar…”