OBRA DE ARTE DA SEMANA: O símbolos em ‘O Pecado Original’ de Hugo van der Goes


Hugo van der Goes, O Pecado Original, óleo sobre painel de madeira, 33,8 x 21,9 cm, perto de 1479 (parte do Díptico do Pecado Original e da Deposição da Cruz ou A Queda e a Redenção do Homem). Conservado no Kunsthistoriches Museum, em Viena, Áustria.

O Díptico do Pecado Original e da Deposição da Cruz é composto de duas pinturas que mostram em uma Eva oferecendo a maça a Adão, e na outra, o Cristo sendo retirado da cruz – dois temas que não são vistos juntos com tanta frequência. Entretanto, o díptico também é chamado de A Queda e a Redenção do Homem, o que mostra de maneira mais clara sua conexão. Ou seja, na primeira imagem, segundo conta a Gênesis, o primeiro casal humano desobedece à ordem imposta por Deus de que eles não poderiam comer os frutos da Árvore do Conhecimento, ou Árvore do Bem e do Mal, frequentemente representada como uma macieira, e assim são expulsos do paraíso terrestre; na segunda pintura, o sacrifício do Cristo apresenta uma possibilidade de redenção para a humanidade, que, a partir de então pode ser perdoada e alcançar o paraíso celeste após a morte.

A pintura do pecado original é, dessa forma, repleta de símbolos que apresentam a possibilidade de redenção, em ligação com a próxima cena. Primeiramente, podemos ver que o sexo de Eva é escondido por um lírio azul, o lírio sendo à flor da Virgem Maria, por excelência, que aparece em quase todas as representações da Anunciação, quando o anjo Gabriel conta a ela que ela carregará o filho de Deus. Entretanto, a flor é geralmente branca, e, aqui, ela é azul do mesmo tom do vestido da santa na imagem ao lado. Temos assim a oposição entre as duas figuras femininas mais importantes da Bíblia, Eva e a Virgem, respectivamente a pecadora e a salvadora.

Em seguida, ainda sobre a cor azul, há um pequeno pássaro escondido nas folhagens no lado direito da cena, atrás da cobra-salamandra – ainda falaremos sobre ela – que, segundo Kessler, poderia ser uma fênix, o único animal que não teria comido a maça oferecida por Eva, segundo o Midrash, texto judaico, e, assim, teria sido recompensada por Deus com a possibilidade da imortalidade através de seu renascimento das cinzas. Apesar de o pássaro ser muitas vezes representado bastante grande e em tons de vermelho, laranja e amarelo, em relação ao fogo que o consumiria antes de seu renascimento, muitas vezes também é descrito e representado em azul e de tamanho menor. O fato de ser um pássaro que morre e renasce tem ligação direta com a morte e a ressurreição do Cristo na outra pintura do díptico, sendo assim mais um indicador da possibilidade de salvação.

Ainda em relação ao sacrifício do Cristo, temos um pedaço de coral no que parece o leito de um rio seco no canto inferior direito da composição. O coral representa o sangue do Cristo e era considerado como uma efetiva proteção contra o diabo – seus ramos algumas vezes formam cruzes – e usado para fins medicinais.

Finalmente, chegamos à figura da salamandra, um dos elementos mais marcantes da composição, analisado profundamente no artigo de Robert Koch. Normalmente, o animal representado, como descrito na Gênese, é a serpente, que teria possuído patas antes de instigar Eva a comer a maça, sendo castigada por Deus a perder seus membros e se arrastar e comer poeira a partir de então. Entretanto, grande parte dos artistas representa a serpente já sem patas. O que também é bastante comum é que o rosto do animal seja de menina ou mulher, em paralelo com Eva, mostrando assim a figura feminina como fonte do pecado. O original aqui, nesse sentido, é o fato de que Van der Goes pintou os cabelos da garota-salamandra trançados para cima, lembrando o formato de chifres.

O artista provavelmente escolheu pintar uma salamandra, ao invés de uma serpente, pois, na época, desde a Antiguidade, com Aristóteles e Plínio, até Paracelso, no século XVI acreditava-se que a salamandra era um animal mágico, que sobrevivia ao contato com o fogo sem se queimar. Esse fato contribui para seu significado ambíguo, ora negativo, ora positivo. Positivamente, o fato de a salamandra entrar em contato com o fogo, mas não se queimar, indicava a virtude da castidade, enquanto que esse mesmo aspecto a colocava em relação com o diabo e o inferno. Também, era considerado como um animal extremamente venenoso – seu nome, do persa, significa veneno -, que contaminaria rios entrando em contato com suas águas e frutos com um simples toque em sua árvore. Aqui, é importante perceber que, na pintura, a salamandra se apoia na macieira e, exceto os frutos na mão de Eva, todos os outros estão amarronzados e parecem podres.

Assim, a composição de Hugo van der Goes segue os cânones de representação da época, aliados a elementos e símbolos originais, alguns dos quais foram copiados por artistas posteriores.

Bibliografia:

Jean-Claude FRERE, Primitifs flamands, Paris, Terrail, 2007.

Herbert Leon KESSLER, “The Solitary Bird in Van der Goes’ Garden of Eden” in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, Vol. 28 (1965), p. 326-329.
https://www.jstor.org/stable/750681?seq=1#metadata_info_tab_contents

Robert A. KOCH, “The Salamander in Van der Goes’ Garden of Eden” in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, Vol. 28 (1965), p. 323-326.
https://www.jstor.org/stable/750680?read-now=1&seq=1#page_scan_tab_contents

Links:

Mimi CHU, “Who Commissioned Hugo van der Goes’s Vienna Diptych?” in Frieze, [Online]. Consultado em 21/01/2019.
https://frieze.com/article/who-commissioned-hugo-van-der-goess-vienna-diptych

“Diptychon mit Sündenfall und Erlosung (Beweinung Christi)” in Kunsthistoriches Museum, [Online]. Consultado em 21/01/2019.
https://www.khm.at/objektdb/detail/565961/

Fonte das imagens:

en.wikipedia.org/wiki/Hugo_van_der_Goes#/media/File:Fall_and_Redemption_of_Man_-_Hugo_van_der_Goes.jpg

commons.wikimedia.org/wiki/File:Hugo_van_der_Goes_-_The_Fall_of_Man_and_The_Lamentation_-_Google_Art_Project.jpg

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