Os livros que querem ser lidos

Já imaginou o que os livros conversam quando não estão sendo observados? Assim como os brinquedos de Toy Story, talvez os livros da estante possam ganhar vida quando ninguém esteja olhando.

Nesse cenário, o primeiro contato que o livro tem com o seu dono seria na livraria. Ali, ao lado de vários irmãos gêmeos, ou mesmo figurando como único, uma vez que a separação de seus pares ocorreu já quando do processo de distribuição para as livrarias, o livro anseia ser escolhido. Vários olhos passam pela sua lombada. Algumas mãos arriscam pegá-lo, muitas vezes folheando suas páginas. Quando o interesse é despertado, o livro é conduzido por seu adquirente em potencial até um lojista ou uma máquina que diga o seu preço. A depender do valor que é informado, as consequências podem ser distintas. Levar ou não levar? Há dinheiro suficiente? O possível possuidor daquela nova obra acha que o livro vale o preço que lhe é atribuído? Enquanto isso, o livro está ali, receoso nas mãos do seu possível dono, torcendo para que tudo contribua positivamente para que possa viajar da estante da livraria para uma estante particular.

Eis que o livro é comprado. A despedida da livraria é sempre alegre. Os vários livros que estão ao seu lado, abaixo e acima naquela mesma estante, despedem-se silenciosamente. A linguagem é entendida apenas por eles, os livros. Os sinais que são transmitidos, desejando boa sorte, dando adeus ou ainda consolando o pesar quando o livro é ali mesmo devolvido, são captados apenas por elas, as obras. A alegria presente nesse processo, que é diferente da alegria do leitor que adquire uma nova obra para a sua estante, está ali – naquele universo literário exclusivo dos livros. É como fosse um nível próprio, uma espécie de camada, uma dimensão única que apenas os livros enxergam – e é assim que eles se comunicam. Tudo isso passa despercebido pelo leitor que comprou o livro.

Passada essa fase inicial da coisa, o livro segue a viagem, da livraria para a nova casa, contemplando sua própria satisfação. Foi escolhido. Agradou. Logo mais estará numa nova estante após ter todas as suas páginas viradas pelo seu leitor.

Assim que chega ao seu novo lar, o livro é retirado a sacola e colocado sobre a mesa. O seu quase leitor o fotografa, relê sua contracapa, folheia suas páginas e o cheira. Há todo um ritual. Porém, quando o livro pensa que será conduzido até uma poltrona que há no canto da sala a fim de que o seu conteúdo seja absorvido, surpreende-se ao se dar conta de que foi colocado numa estante repleta de outros livros. A pessoa que o conduziu até ali deixa a sala, oportunizando que o novo livro possa conhecer os seus colegas de estante.

“Como assim muitos de vocês também ainda não foram lidos?”

“Quanto tempo você está aqui? Tudo isso?”

“Vocês aí, os que já foram lidos, como é que foi? Contem sobre a experiência. Já tem muito tempo?”

Aquele livro descobre que um novo ciclo se inicia. Seu nascimento, o transporte até a livraria e a torcida para que fosse comprado constituíam apenas a primeira etapa da sua jornada. Agora é que a angústia tem início pra valer. O livro tem que disputar a atenção com vários outros que inundam a estante. O novo livro também toma conhecimento de uma mania peculiar de seu dono: a velocidade com a qual novos livros são trazidos para casa não acompanha o ritmo de leitura do leitor. O resultado é que a disputa fica cada vez mais acirrada entre as obras. Num mesmo período em que três livros são escolhidos e lidos, chegam quatro novos. Passado um tempo, uma nova estante entra em cena para dar conta dos mais e mais livros que não param de chegar. E aquele livro, assim como tantos outros, segue esperançoso e no anseio de que será o próximo escolhido.

Os livros convivem em harmonia. Não há qualquer tipo de desavença entre eles. Seguem mantendo aquela mesma felicidade que sentiram quando foram escolhidos na livraria. Todos torcem por todos enquanto aguardam por aquele momento em que o êxtase se fará presente: o instante no qual será a sua vez de ser retirado da estante para que finalmente seja lido. Uma hora acontece. Basta esperar e torcer. Assim o livro espera…

No final, vários são os livros que ali estão querendo ser lidos.


Fonte da imagem:

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