Andres Serrano, Piss Christ, cópia colorida em cibacromo, 1,52 x 1,02 cm, 1987.
Apesar do título bastante controverso (“piss”, em inglês quer dizer “mijo” ou “mijar”) a intenção do artista não foi a de ofender cristãos ao mergulhar um crucifixo de plástico em sua própria urina e fotografá-lo – o artista é conhecido por usar fluidos corporais diversos em suas fotografias: sangue, sêmen, urina, etc.
Na verdade, a intenção do fotógrafo Andres Serrano foi tanto criticar a exploração comercial da fé através da venda de objetos que remetem ao Cristo e outras figuras santas – o importante seria somente a fé e o fervor espiritual da figura, independente do que a envolve, no caso, urina -, quanto criar um contraste entre o mente/espiritual e o corporal, como indica longamente G. Roger Denson em seu artigo. Denson explica como o mesmo acontece nas outras obras dessa série, nas quais miniaturas de estátuas famosas, desde a antiguidade até o século XIX, também são imersas em urina. Vemos, dessa maneira, desde Vênus até o Pensador de Rodin imersos nessa substância. Se apropriando desses símbolos da cultura e da civilização, ele opõe a capacidade intelectual humana aos instintos básicos, as necessidades fisiológicas e sexuais. É interessante notar que Freud, com o conceito da sublimação, coloca que a criação intelectual é exatamente o produto dos instintos básicos sublimados. Ao usar no título a palavra vulgar “piss”, em detrimento de “urina”, bem mais técnica, o artista parece exacerbar o lado animal dos instintos básicos, além de, como notado por Alison Young, em seu livro Judging the Image, criar um jogo de palavras com a similaridade entre “piss” e “Christ” e o som dos dois Ss de “piss” que lembram o som do ato de urinar.
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Fora o conceito da obra ser muito mais interessante do que é possível notar a primeira vista, o visual criado pela luz passando pela urina e as bolhas imersas no líquido acaba conferindo certa aura celestial à imagem, e, portanto, positiva. O Cristo parece envolto por uma luz divina e a tonalidade avermelhada nas partes não iluminadas da fotografia remetem ao seu sangue e sacrifício.
A obra foi polêmica e causou furor nos religiosos desde sua criação, pois, além do título e do seu processo criativo, o artista havia recebido 15 mil dólares do National Endowment for the Arts, um fundo do governo americano de apoio à arte, levando um senador ultrajado a rasgar uma cópia da imagem em pleno congresso. Posteriormente, durante exposições da fotografia em vários países, aconteceram protestos para o fechamento das mostras e até mesmo tentativas de destruição da obra.
Bibliografia:
G. Roger DENSON, “How Andres Serrano’s Piss Christ Reconciles Nature and Civilization” in Huffpost, [Online]. Consultado em 06/05/2019.
https://www.huffpost.com/entry/andres-serranos-piss-chri_b_852601
Ian HAYDN SMITH, Breve história da fotografia, São Paulo, Editora Gustavo Gili, 2018, p.130-131. Trad. Edson Furmankiewicz.
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Alison YOUNG, Judging the Image: Art, Value and Law, Londres, Routledge, 2004, p. 29-34. https://books.google.com.br/books?id=WZZaFE7zyRwC&pg=PA29&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
Fontes das imagens:
https://en.wikipedia.org/wiki/Piss_Christ#/media/File:Piss_Christ_by_Serrano_Andres_(1987).jpg
https://www.huffpost.com/entry/andres-serranos-piss-chri_b_852601
https://www.saatchigallery.com/artists/artpages/andres_serrano_2.htm