Imagine-se comprando um livro em um sebo. Ao abri-lo, há uma dedicatória ali presente – provavelmente do dono anterior da obra que se desfez dessa por algum motivo qualquer. Isso ou a escrita ali se fez presente num dos momentos tantos possíveis em que o livro passou por diversas mãos. Seja como for, o quando e o como a dedicatória passou a contar no livro, fato é que há ali o registro de algo. Alguém escreveu alguma coisa para alguém. Pode ter sido um presente de aniversário, um ato gentil de dar algo à alguém sem que necessariamente exista uma data comemorativa para tanto ou ainda o próprio autor assinando sua obra adquirida ou recebida por algum leitor. O quanto de história existe ali?
As histórias que permeiam e se situam nas dedicatórias são várias. Muitas. Infinitas. Há ênfases diversas, contextos próprios, situações diferentes, motivações únicas ou semelhantes, enfim, uma série de fatores que, reunidos ou isolados, podem explicar as razões de uma determinada dedicatória em um livro.
Paixão, entusiasmo, alegria, euforia, amor, impaciência e até mesmo raiva podem constituir o cerne daquilo que está escrito – ou pelo menos para ser apontado como aquilo que embasou o espírito de quem escreveu a dedicatória e deixou assim, para sempre, uma marca na obra.
Uma dedicatória torna o livro único. Ela foi escrita e pensada de alguém para outro alguém. Pode existir muito ou pouco ali, naquelas singelas ou muito bem construídas palavras. Mas sempre há algo. Um algo que passa a constituir o livro, que passa a fazer parte da obra, que individualiza, que torna um exemplar qualquer em ‘o’ exemplar.
Um escritor, por exemplo, na ocasião do lançamento de algum livro seu, tem contato com alguns de seus leitores. A depender da dinâmica do evento (quantidade de público, por exemplo) e da disposição do autor, as dedicatórias que fará nos livros podem resultar em dedicatórias propriamente ditas ou meras assinaturas a fim de tornar aquela obra um exemplar autografado. Talvez para pessoas mais próximas ou conhecidas, o nome seja lembrado pelo próprio escritor (sem depender da menção dita pelo próprio leitor ou pela “cola” que a livraria já adianta e coloca dentro do livro) e surja aí uma dedicatória mais particularizada, enquanto para desconhecidos, mesmo que fãs ou entusiastas do trabalho do autor, a dedicatória se faça presente mediante um autógrafo. Sempre depende, claro, como já salientado, de modo que é o contexto situacional, com todos os fatores possíveis, que presentes ou não possam estar, que vai definir o formato da dedicatória.
Também é dedicatória aquilo que é escrito por alguém que não o autor da obra em questão. Um presente, por exemplo, pode vir com uma dedicatória escrita por aquele que presenteia, registrando ali os motivos possíveis do ato generoso, as razões pelas quais aquela entrega é realizada, ou ainda algo sobre a própria pessoa presenteada. Nesse cenário, vai também do ânimo, do estado de espírito, do grau de proximidade, das razões ocultas ou explícitas residentes no ato de se escrever a dedicatória, enfim, de uma série de fatores que justificam a escrita de um algo para além daquilo que já está presente no próprio livro impresso.
As dedicatórias podem surgir em diversos contextos e por diferentes motivos. É possível também captar todo um mistério que paira nesse âmbito das dedicatórias. Até mesmo para o presenteado, uma frase ali escrita no livro recebido pode ter algum sentido oculto. Ou ainda a frase só faz sentido para quem o recebeu, de modo que o segredo ali presente permanecerá na penumbra para todo leitor que não o próprio leitor original que foi presentado com aquele algo único. Além disso, o cenário que inaugura o presente texto talvez seja onde mais mistérios existam. Reitera-se: o quanto de história existe nas dedicatórias em que se desconhece a pessoa que a escreveu e a pessoa a quem se dedicou a obra presenteada? Talvez esteja aí um novo passatempo, uma nova mania ou até mesmo um ofício formal a ser descoberto e propagado: a do leitor que se dedica a caçar livros que contenham dedicatórias, objetivando mergulhar no mistério que constitui aquelas palavras escritas por e para desconhecidos, ansiando descobrir a história que existe por trás de cada uma delas.
Está aí algo a ser desbravado – o mundo que permeia as dedicatórias dos livros e as possíveis histórias que nelas residem. Que se explore esse universo!
Por fim, para a euforia dos estruturalistas, propõe-se aqui um novo gênero literário: o das dedicatórias em livros!
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