Dizem que os instantes literários se situam num tempo outro que não o nosso da realidade. Não que deixe de ser nosso, pois o instante pertence ao leitor, mas o tempo passa de uma forma totalmente diferente quando se está imerso em algum livro. O mundo no qual o corpo do leitor se situa simplesmente para – o tempo, o envolto, o que o circunda deixa de existir. Ignora-se aquilo que o ronda em prol daquele mundo outro que o livro possibilita ser visitado. A viagem para esse outro mundo, o literário, é realizada pelo mesmo leitor, de modo que é possível, nesse sentido, estar em dois lugares ao mesmo tempo, pois enquanto o seu corpo físico permanece naquilo que se convencionou chamar de realidade, a sua mente se desloca para um universo diverso, a saber, aquele que é estabelecido pelo livro que está em suas mãos – um mundo próprio, um mundo outro, o mundo literário.
Tudo isso é verdade, bastando qualquer pessoa pegar um livro em mãos e mergulhar numa leitura atenta para tirar a prova real. Claro que há livros e livros – já antecipando eventuais objeções que podem ser feitas com relação ao efeito de se perder no tempo durante uma leitura agradável. Mas o fato é que o fenômeno que aqui chamo de instante literário se faz presente, gerando os mesmo efeitos (mas em sentido inverso), independentemente do tipo de livro que se leia. Livros robustos, livros concisos, livros técnicos, livros bons, livros ruins, enfim, qualquer tipo de livro que receba uma leitura atenta acarreta no fenômeno do instante literário.
Assim como quando de um beijo dado numa pessoa amada, de uma tarde agradável com pessoas queridas em um parque, de um show da banda preferida, de uma reunião com amigos antigos ou de qualquer situação em que a pessoa se veja imersa naquela ocasião a ponto de esquecer que existe qualquer outra coisa além daquilo em que está momentaneamente situada, o ato de ler um livro faz com que o tempo passe para o leitor de maneira diferente do mundo em que está. Abre-se ali uma nova realidade, uma realidade outra na qual o tempo também passa de forma diferente. É em razão disso que não é incomum que a pessoa acabe por perder totalmente a noção do tempo quando está na qualidade de partícipe de qualquer dessas ou outras atividades semelhantes. O tempo voa, por mais que na cabeça do sujeito pareça que tenham se passado apenas alguns minutos, alguns segundos… E isso acontece sem que se tenha a percepção exata disso.
Quem nunca se atrasou para algo por estar lendo um bom livro? Quem nunca foi admoestado por estar imerso em um romance literário e ignorar os detalhes que estavam ao seu redor? Quem nunca foi avançando, de página em página, prometendo para si próprio que seria apenas mais um capítulo, mas que quando se deu conta já eram altas horas da madrugada? Quem nunca perdeu completamente a noção do tempo por estar lendo?
Os instantes literários são esses momentos em que o tempo passa de maneira diferente para o leitor do que para o restante do mundo. O ambiente da leitura é propício para se estabelecer um mundo próprio em que o tempo é outro: horas passam como se segundos fossem, assim como minutos passam como se dias fossem.
Pontuei aqui que em mesmo sendo o caso de se ter em mãos um livro ruim ou difícil de ser lido, o fenômeno do instante literário ocorre de igual modo. É que enquanto um bom livro, ou pelo menos agradável aos olhos do leitor, é absorvido pelo leitor de modo que parece passar tão pouco tempo quando na realidade muito se passa, no caso de um livro ruim, ou difícil de ser lido, o efeito pode se dar em sentido contrário: passa-se, na realidade, pouco tempo, enquanto pela mente do leitor se tem a impressão de que várias horas já teriam se passado desde quando do início da leitura. Assim, bom ou ruim, complexo ou tranquilo, todo e qualquer livro é apto a ensejar o instante literário ao bom leitor.
Os instantes literários surgem e acontecem com frequência, em sintonia ou não uns com os outros, pois a cada momento em que um leitor abre um livro com o intuito de dedicar algumas horas ou minutos para absorver o que aquelas páginas proporcionam, esse algo acontece. O instante do qual se diz é justamente aquele em que a noção de tempo do leitor para com o resto do mundo é totalmente diferente.
Para o leitor, o tempo sempre passa diferente, mais devagar ou mais rápido, do que para a realidade que o circunda. A cada leitura, um instante literário diferente. Eles, os instantes literários, nos proporcionam momentos únicos, aprazíveis ou dolorosos, que nos possibilitam sentir na pele aquilo que se chama de relatividade do tempo.
Que saibamos aproveitar os instantes literários.
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