Dentre as tantas inquietações pelas quais nós, leitores, passamos, há o dilema do empréstimo dos livros. Diz-se aqui dos próprios livros, aqueles que compõem a nossa estante sobre os quais há o sentimento de pertença. Afinal, por mais que gritemos ao mundo que os livros devem circular, passar de mão em mão, rodar lugares e que não devem ficar parados em prateleiras, a coisa eventualmente muda quando o livro em questão é aquele nosso.
Quando o assunto é emprestar os próprios livros, o leitor pode experimentar uma espécie de sentimento ambivalente: por mais que o espírito da generosidade inunde todo o seu ser, que é fomentado aqui pelo afã, presente no âmbito literário, de que cada livro deve ser lido pelo maior número de pessoas possíveis, o ciúme surge para com aquele exemplar que é propriedade do leitor que o possui. É como se existisse uma relação afetuosa composta pelo leitor e o seu livro, cuja espécie de relacionamento é monogâmica, de modo que uma sensação peculiar de estranhamento acaba preenchendo o interior do leitor ao imaginar aquele seu livro sendo manuseado, tocado, cheirado e lido num local distante de seus olhos por um outro alguém. Daí que muitos leitores optam por não emprestar seus próprios livros, possuindo as mais diversas justificativas para tanto – que oscilam desde a mesquinharia ferrenha até a magnanimidade virtuosa.
Haveria um meio-termo aceitável? Algo como um ponto central entre os dois extremos em que se poderia ter como razoável? Ou não há limites e cada leitor pode estabelecer seus próprios termos sobre como lidar com os seus livros? Pode se falar em excesso, de generosidade ou de acanhamento, quando a questão são os livros que um leitor possui? Emprestar ou não os próprios livros – eis a questão!
Para alguns, os livros devem circular amplamente. Quanto mais, melhor. Não existiria sentido em se ter um livro para que, após ser lido, ficasse estagnado na estante. Ainda assim, a maioria dos livros acaba ficando parado na prateleira de qualquer forma, já que está aqui se falando de leitores que adquirem obras para tê-las em suas estantes e poder chamar os livros de seus. Porém, o leitor generoso não se preocupa em emprestar suas obras para quem possa se interessar. Não que inexista qualquer tipo de precaução, receio ou um pouco de ciúmes quando do ato de se emprestar um livro para alguém, mas esses sentimentos não são fortes o suficiente para impedir que o empréstimo ocorra. Assim, desde que o livro seja posteriormente restituído ao leitor que o possui, empresta-se a obra sem qualquer empecilho penoso.
Já para outros, a ligação entre o exemplar da obra e o leitor que o possui é tamanha a ponto de impedir que o livro saia de qualquer área em que o possuidor exerça total controle. Os livros simplesmente não são emprestados, permanecendo a todo instante sob o poder do leitor que os possui. As justificativas para o não empréstimo são diversas, desde as mais aceitáveis até as mais estranhas: o livro pode sujar; quem empresta pode esquecer de devolver e sumir com o livro; o livro foi um presente de alguém especial; o leitor não se sente bem emprestando o seu livro; ciúme extremo assumido; medo de que o livro seja rasurado, anotado ou que tenha as orelhas das páginas dobradas ao invés de se marcar a leitura com um marcador de páginas; entre tantas outras.
Particularmente, considero-me generoso. Tenho ciúmes dos meus livros, claro. Mas não poupo esforços em emprestar um livro para alguém que me peça ou que eu perceba necessitando daquela determinada obra. Não que faça isso com qualquer pessoa, mas existindo um mínimo elo de confiança, já me é suficiente para que o empréstimo possa se tornar algo crível e posto em prática. Também talvez não faça isso com toda e qualquer obra, pois há eventualmente alguma versão rara de um dado livro que eu mesmo evito tocar por razões tantas. Ainda assim, não vejo problemas em emprestar os meus livros. Aquele sentimento sufocante da separação entre o livro e o leitor que o possui também me acomete, mas creio que seja maior o prazer em ver que um livro próprio despertou interesse em alguém, afinal, isso geralmente acaba resultando em conversas – prévias, simultâneas e posteriores à leitura – sobre aqueles livros que são emprestados. O sentimento agradável gerado por essa e outras consequências do empréstimo acabam prevalecendo sobre o ciúme para com os meus próprios livros. Empresto-os, portanto.
Emprestar ou não os livros acaba sendo uma decisão que compete ao leitor que possui suas próprias obras na estante, uma vez que há motivos justificantes tanto para o sim quanto para o não quando a questão é o empréstimo. Vale pontuar, porém, que talvez o maior motivo que nesse âmbito surge e que mais mereça consideração para ser levado em conta é o medo de que o livro emprestado não seja mais devolvido, seja por má-fé, seja pelo mero esquecimento daquele que toma o livro emprestado. Esse é o terror de qualquer leitor, pois além do receio de se perder o livro, há ainda o constrangimento da cobrança do esquecido. Inclusive, talvez o que justifique a minha escolha do tema abordado dessa vez aqui na coluna seja a adoção de uma forma sutil encontrada para recordar aos amigos e amigas que com livros meus estão que eu lembro e tenho anotado cada um dos meus livros que estão emprestados. Um gentil e carinhoso lembrete, portanto, com o fito de se afastar aquele receio de perda e que por muitos pode ser utilizado.
Eu empresto os meus livros. E você, leitor e leitora, costuma emprestar os seus?
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