OBRA DE ARTE DA SEMANA: ‘A Dama Dourada’ de Klimt


Gustav Klimt, A Dama Dourada ou Retrato de Adele Bloch-Bauer I, óleo, folha de ouro e prata sobre tela, 138 x 138 cm, 1903-1907. Conservado na Neue Galerie, Nova Iorque, EUA.

A pintura A Dama Dourada dá nome para o filme de mesmo nome, no qual Helen Miller interpreta Maria Altmann, a sobrinha de Adele Bloch-Bauer, a mulher representada nessa tela, que conseguiu recuperar cinco obras de Klimt que sua família possuía e foram roubadas pelos nazistas. A história é real. Adele  era esposa de Ferdinand Bloch-Bauer, um rico produtor de açúcar e banqueiro em Viena. Entretanto, a família era judia e teve seus bens confiscados pelos nazistas – Adele morreu antes da ocupação de meningite. Como grandes amantes e patrocinadores das artes no período, dentre suas posses confiscadas, estavam as cinco pinturas de Klimt que pertenciam à coleção do casal e acabaram indo parar em museus austríacos. Uma dessas telas é retrato do qual falamos hoje, que ficava nos apartamentos privados da retratada, em Viena, junto à outra pintura que o artista realizou dela – Adele foi, inclusive, a única pessoa representada duas vezes por Klimt, e há quem diga que os dois foram amantes, como acontecia com muitas das mulheres da sociedade pintadas por ele. Com a vitória de Maria Altmann nos tribunais em 2006, o retrato saiu do Belvedere, em Viena, e foi vendido por 135 milhões de dólares – um recorde para a época – para o proprietário da Neue Galerie, museu privado de arte austríaca e alemã em Nova Iorque. O governo da Áustria tentou ganhar a causa, valendo-se do testamento de Adele, que pedia a seu marido que deixasse às obras ao Belvedere após a sua morte, entretanto, um recibo de pagamento foi usado como prova de que quem pagou pelos trabalhos, e, portanto, era seu proprietário, era Ferdinand, e, assim, sua esposa não poderia se dispor bens que não eram seus.


Adele Bloch-Bauer

Os retratos de Klimt – de mulheres, em sua maioria – já eram polêmicos em sua época, muito antes do recente processo judicial, pois suas modelos eram representadas com uma sensualidade que excedia a aceita na época. Essas mulheres sensuais e com aura de deusas eram bastante comuns em obras do estilo Art Nouveau, chamado de Secessão na Áustria, e do qual Klimt foi um dos pioneiros.

Nesse retrato de Adele Bloch-Bauer, podemos ver que apenas seu rosto e seus braços foram representados a óleo, de maneira realista. Quase todo o restante é dourado e chega a ser confuso para o espectador à primeira vista, que mistura o vestido da mulher, a cadeira na qual ela está sentada e o fundo – o artista passou quatro anos trabalhando no retrato, de 1903 a 1907, realizando vários desenhos preparatórios durante esse período, nos quais estudava diferentes composições para a pose de sua modelo.

A obra, criada usando folha de ouro e prata, corresponde a uma das últimas do período dito dourado do artista, – assim como a famosa O beijo, da qual também já falamos aqui – que teve início após uma viagem à Ravena, na Itália, e a contemplação dos belíssimos mosaicos bizantinos do século VI da Basílica de San Vitale, que possuem massivos fundos dourados, atemporais e sem espaço definido, que colocam os imperadores representados na Igreja no mesmo plano que as figuras santas próximas a eles.

Dessa maneira, graças ao dourado quase onipresente na tela, aos olhos do espectador, Adele se torna muito mais do que uma mulher sensual, parecendo possuir uma aura quase divina. As pesadas joias que ela usa – inclusive, a gargantilha de diamantes em seu pescoço foi dada de presente à sua sobrinha Maria Altmann no dia do seu casamento, e, posteriormente roubada pelos nazistas – ecoam o dourado do fundo, mimetizando-o, e revelam sua posição social elevada.

Nesse sentido, o retrato é bastante diferente daquele pintado em 1912, após o término da frase dourada, no qual a mesma mulher é figurada de maneira mais realista, somente através de tinta a óleo.


Gustav Klimt, Retrato de Adele Bloch-Bauer II, óleo sobre tela, 190 x 120 cm, 1912. Coleção particular.

Como também já vimos quando falamos aqui na coluna da pintura O Beijo, Klimt associava as formas circulares ao feminino e os quadrados e retângulos ao masculino.


Gustav Klimt, O Beijo ou Os amantes, óleo e folha de ouro sobre tela, 180 x 180 cm, 1907-1908. Conservada no Belvedere Museum, Viena, Áustria.

Assim, vemos no retrato de Adele, que, circundando seu rosto e seus ombros, há uma forma circular, repleta de outros círculos, ovais e espirais.

No seu vestido, existem diferentes formas, algumas delas lembram olhos, podendo ser uma influência egípcia – o olho de Hórus – ou ainda grega – o olho que protege do mal olhado ou ainda uma referência a Argos, o monstro de cem olhos da mitologia clássica. É difícil saber com certeza e todas essas hipóteses podem estar erradas, o motivo podendo ser somente decorativo, pois Klimt não gostava de falar sobre suas obras ou explicá-las. O certo, é que na época o japonismo e suas estampas estavam em voga na Europa, e essa profusão de formas, que aparece muito no trabalho do artista, foi em parte devida a essa tendência, além de que o estilo Art Nouveau fazia uso de formas sinuosas inspiradas na natureza e também era influenciado pela arte da Idade Média.

Bibliografia/Links:

Susie Hodge, Breve história da arte moderna, São Paulo, Editora Gustavo Gili, 2019, p. 80-81. Trad. Julia da Rosa Simões.
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Aline Pascholati, “’O Beijo’ de Gustav Klimt” in Artrianon, [Online]. Consultado em 17/11/2019.
https://artrianon.com/2019/02/04/obra-de-arte-da-semana-o-beijo-de-gustav-klimt/

Ana Weiss, “Uma paixão de U$ 135 mihões” in Isto é, [Online]. Consultado em 18/11/2019. https://istoe.com.br/351258_UMA+PAIXAO+DE+US+135+MILHOES/

Diane Haithman, Christopher Reynolds, “Court Awards Nazi-Looted Artworks to L.A. Woman” in Los Angeles Times, [Online]. Consultado em 10/11/2019.
https://www.latimes.com/archives/la-xpm-2006-jan-17-et-klimt17-story.html

“Klimt and Adele Bloch-Bauer: The Woman in Gold” in Neue Galerie, [Online]. Consultado em 17/11/2019.
https://www.neuegalerie.org/gustav-klimt-and-adele-bloch-bauer-woman-gold

“Visual Reading of Gustav Klimt’s ‘Adele Bloch-Bauer I’ (SCHOLASTIC)” in Neue Galerie New York YouTube Channel, [Online]. Consultado em 17/11/2019.
https://www.youtube.com/watch?v=OUZmSl4Mv-4&feature=youtu.be

Fontes das imagens:

https://en.wikipedia.org/wiki/Portrait_of_Adele_Bloch-Bauer_II

https://en.wikipedia.org/wiki/Portrait_of_Adele_Bloch-Bauer_I

https://istoe.com.br/351258_UMA+PAIXAO+DE+US+135+MILHOES/

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_beijo_(Gustav_Klimt)#/media/File:The_Kiss_-_Gustav_Klimt_-_Google_Cultural_Institute.jpg

https://www.neuegalerie.org/content/adele-bloch-bauer-seated-armchair-facing-left

Um comentário sobre “OBRA DE ARTE DA SEMANA: ‘A Dama Dourada’ de Klimt

  1. Olá,

    Sua análise sobre às obras do pintor são muito legais. Assisti hoje o filme e adorei. Hans Zimmer também foi brilhante na criação da trilha sonora.

    Abraços!

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