Dias atrás, enquanto lia em pé no ônibus (o livro em uma mão enquanto a outra se agarrava à barra do veículo para que o equilíbrio fosse mantido), um outro passageiro se aproximou de forma repentina. O quase contato foi abrupto o suficiente para que a atenção, que até então estava para as páginas do livro, fosse voltada para o peculiar sujeito. Num primeiro momento, estranhei a forma com a qual se aproximou, mas nada disse. Ao que parecia, o indivíduo estava de algum modo interessado na obra que por mim estava sendo lida.
Passado mais um instante, o mesmo cidadão se aproximou novamente, mas agora avançou com a mão em direção ao livro – não de forma grosseira, mas ainda assim um pouco ríspida. O sujeito tocou o livro e o inclinou para que pudesse ver a capa, sanando assim a sua curiosidade com relação ao que estava ali sendo lido.
Por mais peculiar tenha sido essa experiência, não pude deixar de lembrar naquele mesmo momento do tema que aqui já trouxe para o diálogo, indagando sobre o que estão lendo no ônibus. É que a curiosidade sobre a leitura alheia é uma das tantas questões que permeiam o universo literário. Quando isso ocorre no ônibus, surgem diversas possibilidades para saná-la, manter-se em dúvida ou até mesmo para explorar hipóteses para se descobrir a leitura com base em fatores elencados pelo próprio curioso. Mas afinal, agiu bem o sujeito curioso ao abordar o meu livro dessa maneira?
Não fui abordado ou consultado de qualquer forma. O sujeito optou por conferir (tocando e olhando) por conta própria o livro que lhe despertou a curiosidade. E essa foi sanada. A propósito, caso o leitor esteja também curioso, a obra que estava lendo era “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas – uma versão da editora Zahar, que mesmo mantendo a estrutura de um calhamaço (são quase 1.700 páginas) ao considerar o tamanho do romance, permite o seu manuseio no que tange a ser lido com uma única mão. Enfim, mesmo não sendo a melhor forma de satisfazer a curiosidade literária, foi esse o modo escolhido pelo indivíduo.
Em todo e qualquer lugar é possível que essa curiosidade literária surja – no sentido de se querer saber o que o outro está lendo. A pergunta “o que você está lendo?” reside no coração do universo literário, não se limitando a algum contexto ou âmbito em específico. Assim como no ônibus, é possível que alguém esteja lendo um livro na praça, atiçando a curiosidade de alguém que passe pelo leitor. De igual forma pode acontecer em um café, de modo que um cliente que bebe um cappuccino enquanto avança algumas páginas do livro que carrega consigo pode despertar a curiosidade em alguém na mesa ao lado.
Qual será a história que ali está sendo lida? É um livro técnico ou literatura? É um best seller ou alguma obra menos conhecida? Já terá o curioso lido também aquele livro ou se trata de alguma novidade que pode inclusive servir como sugestão para uma próxima leitura? Essas e tantas outras perguntas se fazem presentes na mente do curioso – que pode ser qualquer um de nós. As situações, os papeis, podem se inverter com facilidade. Algumas vezes somos os leitores que causam a curiosidade alheia, dando-se ou não conta disso. Em outras, figuramos na qualidade de curiosos e interessados. O que muda é a forma com a qual cada um de nós lida com esses papeis. Há os mais ousados e não tão sutis, como o sujeito do ônibus que conferiu a capa sem qualquer licença. Há os mais extrovertidos, que além de satisfazer a curiosidade perguntando ao leitor qual o livro que está sendo lido, puxam ainda conversa sobre a obra em questão. Há os que guardam para si a curiosidade, lançando para o nada aquilo que não mais saberão. Há também os tímidos, mas imaginativos, que cogitam respostas possíveis a partir de exercícios mentais construídos e conduzidos pelos próprios, chegando em respostas possíveis a respeito da obra visada. Diversas assim são as possibilidade de resolver (ou não) o problema da curiosidade literária.
Um não agir do curioso não deve também sempre ser considerado sinal de timidez. Pode se entender que o leitor esteja muito compenetrado na leitura, pelo que uma interrupção, por mais que momentânea, atrapalharia o ato de ler. Também há a chance de qualquer das partes, leitor e curioso, não estar a fim de manter um diálogo possível resultante da resposta sobre a obra lida. Por mais que devemos conversar sobre as nossas leituras, muitas vezes o que queremos é apenas desfrutar daquele momento único em que se está lendo – mesmo que o assunto do possível diálogo seja o próprio livro em questão.
Sobre a situação vivenciada no ônibus, essa se encerrou ali mesmo, no ato de conferir a capa do livro. Poderia ter sido diferente, assim como é em toda e qualquer em que há a dinâmica entre leitor e curioso. Seja como for, agindo rumo à satisfação da curiosidade ou não, é certo que essa pergunta constantemente se faz presente em nós, leitores – seja enquanto tal, seja enquanto curiosos: o que você está lendo?
Fonte da imagem:
https://midias.agazeta.com.br/2019/12/27/pessoa-lendo-um-livro-154140-article.jpg
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