
Ao terminar as atividades da manhã, fui checar o instagram e vi um post de uma amiga, também escritora e mestranda. O que ela diz é o que eu andava pensando ultimamente sobre livros e a feira da USP. A Carol, amiga do ensino médio com quem eu estudava no grupo de estudos de filosofia, fez um textinho adorável sobre como os livros nos dão respostas anos depois, quando menos a gente espera, e a feira da USP.
Na sua página do instagram Sistema literário, Carol relembra a feira de 2011 ou 2012, quando fomos com um amigo nosso, o André, também desse grupo de filosofia da escola, comprar livros. Esbarrando em O romance histórico de Lukács, ela encontrou alguns palpites para as questões que tinha, um livro que comprou ao acaso na feira da USP, sem sequer imaginar. Virou tema de mestrado para ela.
Eu já vinha com esse desejo de escrever sobre a festa do livro da USP, e amo que uma feira seja denominada uma festa. Não só porque os livros chegam a 50% de desconto e a vida do estudante pra pagar livro não é nada fácil, mas é porque ela tem uma celebração que eu sempre gostei de imaginar que é o equivalente a ir ao Hopi Hari.
Por muitos anos, a feira do livro foi entre os prédios da Escola Politécnica. Era o grande desafio do ano. Quase como uma jornada do herói, descia-se no ponto de ônibus, as falas das pessoas animadas apareciam ao fundo. Atravessando árvores, uma trilha na floresta mágica da Cidade Universitária, estava lá o oásis dos livros.
Para sobreviver, você sempre precisa levar comida e água na mochila, como um explorador. Ecobags para armazenar as descobertas, uma lista de livros para guiar e o mapa das editoras. Quando era entre os prédios, havia ainda um adicional maravilhoso: você descobrir que o seu livro desejado está do outro lado, metros e metros de distância. E você, exausto.
Atravessando o estacionamento abaixo de sol, esbarrando em algum amigo igualmente cansado, estavam todos arrastando as sacolas, os dedos já tão vermelhos de carregar pesos, que nem a emoção de sair do supermercado e ir rezando o caminho todo pra chegar logo porque não aguenta mais aquelas sacolas. Nessas horas chega a bater o arrependimento de ter comprado aquele livro de 600 páginas, porque ele pesa. Acontecia ainda de você chegar do outro lado, comprar, e descobrir que precisava voltar tudo para pegar outro livro, porque a essa hora o cérebro já derreteu.

Chegando no destino, lá estava o estande da editora. E uma fila. Uma multidão agitada. Na época da concorrida Cosac Naify, era chegar de manhã e se ajustar entre as pessoas, chegando ao extremo de gritarias com o cartão de crédito na mão, em alguma ordem aleatória de compra, a sua pilha de livros entre outras gritando também para ser tirada daquela loucura coletiva.
Já tive amizades que nasceram na feira do livro. Porque são todos enfrentando essa loucura juntos. Além dessa comunhão para achar livros, a parte mais bela era se deixar ser apanhado pelo clarão de um livro que se revela nas massas dos outros, permitindo um encontro quase romântico e baudelairiano, um livro que você nunca esperou encontrar e estava lá, dando um novo significado para tudo.
Este ano a feira acontece online. Nos últimos anos ela tem ocorrido numa tenda, facilita bastante a vida e o corpo que precisa ir para a feira, uma tenda de uma ponta a outra com todas as editoras reunidas. Longe de querer achar beleza no sofrimento, mas a feira anterior, entre os prédios, ainda dava algo de atravessar caminhos e passagens que divertiam mais na experiência, do que a praticidade. Mas tudo bem.
Com o tempo, passei a comprar menos na feira, e esse ano realmente precisei me segurar. Ainda assim, isso me fez descobrir vários desses livros, tão heroicamente comprados nos dias de suor e arrastar das sacolas entre os prédios de concreto, hoje parte da minha biblioteca particular.
Por coincidência, esbarrei essa semana com uma frase de um dos autores que mais me inspira como pesquisadora, o escritor Alberto Manguel. Ele fala de livros, de pintura, de história com tanto afeto que dá gosto. E ele disse: “Toda biblioteca é autobiográfica”. No post, a Carol comenta o seguinte:
Isso tudo pra dizer que acho que a pergunta a fazer, quando se está construindo uma biblioteca (física ou virtual) não é “quando?” ou “se” vou mesmo ler aquele livro, mas como ele contribui pro meu âmbito de interesses? O que acrescenta, que trilhas abre? Como faz sentido em face do conjunto de leituras que eu me disponho a fazer e por que merece um lugar na minha casa ou no meu hd.
Acho que as estantes não são iguais, há livros de toda a sua história, de criança à fase adulta, e os livros marcados são os passos que você deu no tempo e na vida. Deixar outro livro ingressar é um convite, no fim das contas, para mais caminhos. Em variados momentos de magia, os livros avançam das estantes e provocam as nossas ideias, como se estivessem naturalmente associados ao pensamento e ao corpo. E assim eles cumprem seus papéis de vir com perguntas, respostas, memórias e afetos.
A cada ano redescubro os livros que me interessaram na feira e agora reivindicam a leitura, seres que surgiram naquele bosque feito de pessoas e páginas numa festa do livro.
Imagem de capa: Marina Franconeti
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