No livro Duas formações, uma história: das Ideias fora do lugar ao Perspectivismo ameríndio, o crítico e professor Luís Augusto Fischer apresenta uma nova ideia, que podemos dizer revolucionária, para o estudo da historiografia literária brasileira. Conforme comentamos no último texto, o objetivo central do livro é apresentar condições epistemológicas, seja no campo de estudo da literatura, da história e da antropologia, para propiciar uma melhor leitura do que é produzido no país em matéria de literatura.
O que significa este título? Falamos no último texto da importância do conceito formação para Fischer, conceito este do talvez maior crítico literário brasileiro, Antonio Candido. Mas o que são estas duas formações? Uma delas é o que chama de “ideias fora do lugar” e a outra é “perspectivismo ameríndio”, aquela própria da região geográfica que o autor chama de litoral, abrangendo toda a costa brasileira; o perspectivismo ameríndio se situa no interior do país, de modo geral. As duas formações, juntas, foram a História do país, e por conseguinte sua literatura. Quero frisar que isto já é um fato novo muitíssimo interessante.
Por que esses nomes? “Ideias fora do lugar” é o nome de um ensaio do crítico literário Roberto Schwarz, que foi aluno de Antonio Candido. Faz parte de um estudo maior que o crítico empreende no estudo de Machado de Assis, especialmente sua fase madura, a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) e Papéis avulsos (1882). Com o título sugestivo, Schwarz desenvolve complexamente um raciocínio que aponta haver no Brasil uma disparidade, uma incongruência entre ideias e práticas sociais. Por exemplo: o país cultivava ideias liberais de liberdade absoluta do indivíduo, mas cultivava a escravidão, regime que objetifica pessoas, tirando-lhes, dentre outras coisas, liberdade. (Entre parênteses, Fischer critica essa oposição, dizendo que a incongruência-chave para interpretar o Brasil é uma disjunção entre ideias liberais e lógica de Antigo Regime, mas que falaremos depois, noutro texto, na continuação desta sequencia.)
Já “perspectivismo ameríndio” é um termo cunhado pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. É um conceito igualmente complexo que resumo drasticamente pelo espaço que temos. Basicamente é uma outra visão de mundo, outro jeito de viver e enxergar as coisas, de se relacionar consigo e com os outros. Digo outra porque sou ocidental, cuja visão de mundo é naturalizada como sendo a certa, a normal. O perspectivismo ameríndio enxerga a vida e a morte a partir de outras balizas; acredita que a Natureza (algumas faunas e floras) têm ponto de vista, cuja frase “a onça é parente” do conto “Meu tio o iauaretê”, de Guimarães Rosa, é um belo exemplo.
A justaposição dessas duas formações, que pertencem a geografias e a culturas distintas entre si, formam sociohistoricamente nossa nação. A literatura advém da realidade social, portanto deve ser encarada a partir desse construto. A partir e nova historiografia e antropologia, Fischer pensou magistralmente nesse modelo, que na verdade, dito por ele próprio, nem é um modelo, são condições de pesquisa para serem levadas adiante, visando sempre uma leitura mais aproximada de processo social e forma histórica, que nos ajuda a ver melhor o mundo e ler melhor literatura.
Rodrigo Mendes
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