Não entendo nada de política. A intenção não é criticar Doria, defender esse ou aquele partido, esse ou aquele político. Não venho aqui como artista ou historiadora da arte, mas como ser humano.
Na verdade, quando li a notícia sobre a decisão de cobrir os muros do maior corredor de grafite da América Latina, pensei que talvez eu devesse dar minha opinião sobre o assunto, como agente do mundo da arte. Mas, se tantos já o haviam feito, o que mais haveria para dizer? E o que eu realmente pensava sobre o assunto? Inicialmente, o que eu pensava não era muito claro, mas o que eu sentia, sim. Além dessa, li outra notícia antiga que voltou a tona, sobre o colorido do minhocão que se tornou cinza. Eu me senti triste; profundamente triste. Senti como indivíduo apaixonado pelas cores, como ser humano que gostava de passar pelo minhocão e ver seu colorido contrastando com o cinza do concreto e do céu chuvoso.
Gostar ou não de grafite, é questão de, exatamente, gosto. Existem alguns artistas que prefiro a outros, pinturas de grafiteiros famosos ou de ilustres desconhecidos que vi pelas ruas e considero bonitas ou feias. Particularmente, não gosto muito das grandes letras coloridas e gordinhas. Mas, à parte o gostar ou deixar de gostar, o grafite, torna a cinza São Paulo, a cidade da garoa, mais colorida. Torna a esmagadora selva de pedra mais feliz. As simples pichações e demarcações de territórios de gangue sendo compensadas pela beleza das pinturas, pelo que considero a verdadeira arte. Entretanto, como definir o que é arte e o que não é arte? Se apagássemos somente as ditas pichações, os tais rabiscos, não estaríamos tirando a liberdade que é própria aos muros? E chamar artistas, oriundo das ruas e hoje famosos, selecionados por políticos e curadores, para pintar esse ou aquele muro previamente apagado, corre o mesmo risco de elitismo na arte em um meio que tem sua importância exatamente pelo seu caráter libertador e popular. A etiqueta de “grafiteiro famoso” não deve se tornar necessária para se expressar nas paredes, para se ter o direito de exposição na maior galeria do mundo, a que possui mais visitantes, que é a rua.
Estou ciente do caráter efêmero da arte de rua, que lhe é peculiar e a torna, talvez ainda mais especial por poder desaparecer a qualquer momento e não ser, necessariamente, feita para durar para sempre – uma bela questão em nível de arte contemporânea, inclusive. O que quero dizer, então, não é que arte de rua nunca possa ser apagada por esse ou aquele motivo, mas tentar excluir essas manifestações visuais em uma das cidades do mundo nas quais mais se destaca é uma ideia tola, utópica e higienista. O grafite faz parte de São Paulo. E sempre fará. Entretanto, a ideia de transformar os muros, agora cinzas, em verdes, através da plantação de mudas, é boa. Torna a cidade fresquinha e, de certa forma, colorida novamente. O que não pode acontecer é, com o tempo, o grafite não ter mais espaço. A arte de rua pode ter espaços definidos para tal e os artistas devem ter a liberdade de contatar o poder público para pedir autorização para criar nesse ou naquele local, se este não for pré-estabelecido para a prática. O único ato não justificado é o vandalismo nos edifícios privados, e, sobretudo, em construções e estátuas históricas.
O grafite faz parte de São Paulo. E, espero, sempre fará.
Links dos artigos citados:
http://vejasp.abril.com.br/cidades/23-de-maio-trepadeiras-verde/
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