“Mulher junto à janela acenando para uma menina” (1650), Jacobus Vrel
Atrás de cada espelho, uma criatura espreita a nossa vida com seus olhos de líquido cristal. Ela é formada por todas as nossas desilusões, por palavras não ditas no momento certo, por vestígios de pensamentos e de pecados que insistem em infestar a mente assim que relaxamos. Ser humano é impedir o descontrole do medo, esse cavalo selvagem que insiste em tomar as próprias rédeas e nos conduzir através de paragens repletas de desesperos; ser humano é viver em constate estado de agonia e de maravilha. No silêncio da sua casa, a mulher olha a imagem se formando no outro lado do reflexo. Lá fora, a noite se espalha pelo mundo em rajadas de vento negro; dentro, a sala vazia atesta a solidão da sua ocupante. Não sabemos quais são as suas feições, somente podemos ver o tímido reflexo que surge das profundezas do vidro. Dentro de cada pessoa, existem todos os seus tempos de vida: passado e futuro moram dentro do presente, e não espanta que a mulher esteja olhando a sombra da menina que um dia foi ou o fantasma da filha que nunca terá. Os espelhos são cruéis, e escarnecem o dia todo dos nossos medos. Olhar para o reflexo é olhar para o abismo que esconde as possibilidades e sonhos que precisamos sepultar por existir. Quando a mulher olhou para o espelho, o espelho olhou para a alma dela. Na imagem gelada revelada pelo vidro, o cadáver sonha com o sabor da nossa carne.