OBRA DE ARTE DA SEMANA: Reverse de Jenny Saville


Jenny Saville, Reverse, óleo sobre tela, 213.4 x 243.8 cm, 2002-2003. Conservada na Gagosian Gallery.

Aproveitando o Dia Internacional da Mulher e retomando as reflexões e discussões em torno da data, é impossível deixar de trazer essas questões para o campo artístico. As mulheres conseguiram mais exposição como modelos do que como artistas, e as poucas que conseguiram notoriedade, o fizeram por intermédio de seus casos amorosos com artistas consagrados, como é o caso, por exemplo, de Jeanne Hebuterne, a jovem pintora que foi esposa de Modigliani e cometeu suicídio estando grávida após a morte do marido, e Camille Claudel, cujo relacionamento tóxico com Auguste Rodin, acusações de plágio e difamações em círculos sociais, levaram-na à loucura.

Estamos familiarizados com as pinturas de belas mulheres, geralmente nuas, realizadas pelos grandes mestres da arte clássica, do Renascimento e além. Mas nos livros de história da arte, materiais didáticos escolares não trazem com nomes como: Catharina van Hemessen (Bélgica, c.1527– c. 1560), Lucia Anguissola (Itália, c. 1536- c. 1565), Sofonisba Anguissola (Itália, 1530-1625), Levina Teerlinc (1510–1576), Lavinia Fontana (Itália, 1552-1614), Esther Inglis (França/Escócia, 1571-1624), Fede Galizia (Itália, 1578–1630), Maria Van Oosterijk ( Holanda, 1630-1693), Marietta Robusti (Italia, 1554-1590), Artemisia Gentileschi (1593–1653), Elisabetta Sirani (Itália, 1638-1665), Barbara Longhi (Itália, 1552-1638), Josefa de Ayala (Portugal, 1630-1684), Judith Leyster ( Holanda, 1609–1660), Louise Moillon ( França, 1610–1696), Clara Peeters ( Holanda, 1589-1657), Giovanna Garzoni ( Itália, 1600–1670), Rachel Ruysch (Bélgica, 1664-1750), Mary Beale (Inglaterra, 1632–1699), Elizabetta Sirani (1638-1665).

Pode soar cansativo ler tantos nomes, mas estes são apenas alguns exemplos de artistas mulheres dos séculos XVI e XVII que passaram ocultas pela história da arte. Não mencionar que tantas mulheres artistas produziram nesses períodos, cria a ideia de que não existiram pintoras, escultoras e que os homens dominaram as artes até o século XIX.

Pensando nessas questões, resolvi trazer para a coluna dessa semana a obra Reverse da artista inglesa Jenny Saville. Saville é dona de um realismo indigesto, incômodo. Seus retratos não romantizam a figura feminina, muito pelo contrário, denunciam as violências praticadas contra a mulher, tanto as praticadas através da violência física e sexual, quanto a violência publicitária que levam milhares de mulheres para as mesas de cirurgia em busca de adequação ao padrão de beleza vigente. Não se trata de um discurso contra a indústria estética e seus agentes, mas apenas uma reflexão de que para ser feliz é necessário estar adequado ao que o mercado vende como “belo”.

Reverse de 2003 é um autorretrato em grande escala, 213 x 244 cm, onde Saville coloca toda sua visão a respeito da figura feminina: “…É a carne, e a pintura em si é o corpo, mas a teoria por trás de cada um é essencial, tão importante quanto a pintura. Eu não estou tentando ensinar, apenas fazer as pessoas discutirem, olharem como as mulheres foram retratadas pelo homem. O que é beleza? A beleza é geralmente a imagem masculina do corpo feminino. Minhas mulheres são bonitas em sua individualidade. “

Em uma análise rápida, a figura está deitada olhando para o espectador, sobre o que parece ser um espelho, os olhos lacrimejantes, a saliva no lábio superior. Mas analisando profundamente, é possível associar a pintura a uma mulher deitada sob uma mesa de inox, comuns em hospitais e necrotérios. As variações de tons usados na pele lembram hematomas, o sangue presente nos dentes. Os olhos, embora úmidos, parecem fixos e sem vida. A artista utiliza seu próprio corpo para retratar a condição humana e a miséria vivida por milhares de mulheres espalhadas pelo mundo, cujas injustiças passam ocultas pela história, soterradas por campanhas publicitárias consideradas “aceitavelmente belas”.

A interpretação de uma obra de arte é sempre única e pessoal, mas na obra de Saville é possível se deparar com todas as formas femininas possíveis. Além desse autorretrato, as pinturas de Saville abordam mulheres obesas, procedimentos cirúrgicos como lipoaspiração, pessoas transgêneros, animais decapitados e mais recentemente suas criações tratam da experiência da maternidade, sob a própria experiência da artista ao se tornar mãe.

Fonte da imagem:

https://www.gagosian.com/exhibitions/april-05-2003–jenny-saville

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