Renato Drummond é baiano, historiador, mestre em Memória e apaixonado por livros. Nossa amizade começou virtualmente, anos atrás, na época que ambos escrevíamos para os sites do Literatortura. Hoje, trago a vocês um pouco do Renato amigo querido e talentoso – que é exatamente o que encontramos lendo seu livro, Rainhas Trágicas, em uma leitura que flui tal qual um bate-papo com um amigo.
O blog Rainhas Trágicas começou anos atrás por causa de sua paixão e curiosidade por essas mulheres do passado e suas histórias – Ana Bolena, inclusive, foi o tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade Estadual de Santa Cruz. Hoje, o site trás, além de nossas queridas rainhas – mais ou menos trágicas, dependendo do caso – vários assuntos ligados à História das mulheres, figuras notáveis, curiosidades, resenhas de filmes, livros e séries, entre muitos outros temas. No ano passado, o blog se tornou livro – e de muito sucesso! – pela Editora Vogais, de Portugal, no qual ele nos conta, com acuracidade histórica, em um estilo leve e descontraído, a vida de 15 rainhas que tiveram papéis fundamentais nos caminhos do continente europeu, apesar de terem nascido mulheres e, segundo as teorias da época, serem somente exemplos de devoção e caridade para o restante daquelas de seu sexo e “máquinas de parir” príncipes e princesas. Através de uma leitura deliciosa, durante a qual é impossível deixar o livro de lado e parar um capítulo inacabado, o leitor passa por rainhas da Idade Média ao início da Era Contemporânea, dentre elas as inegáveis celebridades Ana Bolena, Elizabeth I, Maria Antonieta e a rainha Vitória.
Como foi a transição de blog para livro? Você imaginava todo o sucesso que seu trabalho alcançaria?
Foi algo bastante inesperado. Recebi a proposta do Guilherme Pires, à época editor na Vogais Editora (Portugal), em novembro de 2015, para transformar o conteúdo do blog em livro. Depois de algum tempo, comecei a trabalhar no arquivo, compilando parte do material que eu havia escrito, reescrevendo alguns segmentos e colocando as devidas notas. Além disso, escrevi alguns textos inéditos para a publicação. O resultado ficou lindo! Nem consigo descrever qual foi minha reação ao receber em mãos meu primeiro livro. A perspectiva de publicar uma obra era algo que eu contemplava apenas no final da minha formação acadêmica. Jamais imaginaria que, antes disso, meu trabalho alcançaria uma quantidade considerável de leitores.
Por que escrever sobre rainhas?
Ultimamente tem se falado muito no empoderamento da mulher e o movimento feminista tem ajudado bastante a resgatar do passado figuras de mulheres que foram estereotipadas por uma visão preconceituosa dos fatos. Mulheres como Ana Bolena, Maria I da Inglaterra, Catarina de Médici e Maria Antonieta foram muito mal tratadas ao longo do tempo. Dessa forma, meu trabalho consiste em contribuir para essa desconstrução de estereótipos, em fazer ver que aquelas rainhas eram muito mais do que aquilo que foi dito sobre elas.
Por que as rainhas são tão trágicas? Existiu, em sua opinião, alguma rainha que tenha sido feliz apesar de sua extenuante função real?
Certa vez a rainha Elizabeth I da Inglaterra, em discurso ao parlamento, disse que “o brilho da coroa é mais lindo para aqueles que a vislumbram do que para quem suporta o seu peso”. Havia sempre um preço a pagar pela posição que se ocupava. Para alguns, o débito foi muito mais alto, já que reis e rainhas estavam constantemente em evidência e qualquer passo em falso seria meticulosamente observado e revertido em propaganda negativa contra o governo. Não obstante, quando uma mulher ascendia ao poder, ela trazia consigo vários olhares preconceituosos, uma vez que o discurso ideológico de séculos atrás não considerava o sexo feminino apto a assumir certas tarefas consideradas de esfera masculina, como governar um país. Algumas monarcas, como Elizabeth I da Inglaterra e Catarina II da Rússia, souberam jogar com essa situação. Outras, nem tanto. Então, não acredito que alguma rainha tenha sido plenamente feliz no seu cargo. Até porque, a felicidade pessoal era uma das primeiras coisas que elas deveriam sacrificar em prol do suposto bem público.
Algumas pessoas acreditam que para escrever sobre mulheres, é preciso ter nascido mulher. Como você encara o desafio de compreender a mente feminina, em períodos nos quais as diferenças sociais entre homens e mulheres eram tantas?
Na minha posição de historiador, me preocupo em narrar os acontecimentos, problematiza-los, cruzar diferentes fontes e extrair dessa análise uma fração de entendimento do passado, que possa oferecer caminhos de compreensão para esta ou aquela atitude das personalidades que me proponho a estudar. Compreender a mente de uma pessoa que morreu há muitos e muitos anos já é bem mais complicado, pois, por mais que eu esteja cercado de um gigantesco corpus documental, eu nunca vou saber o que se passava exatamente na “mente feminina” em diferentes épocas. É como se eu estivesse olhando através de um vidro fosco, onde muitas imagens disformes me são reveladas. Essa situação fica ainda mais complicada quando passamos para o estudo das mulheres pertencentes às classe mais baixas na sociedade do antigo regime, pois, nesse caso, o silêncio dos arquivos é muito maior.
Acredito que o sucesso do seu blog e do seu livro também se deve a inspiração e força que essas mulheres do passado podem trazer a nós, mulheres do presente. Qual a importância de relatar o papel das mulheres na História, em detrimento do que foi feito em outras épocas, que valorizavam principalmente a História feita pelos homens?
Desde que o sujeito “mulher” emergiu no campo de estudo das ciências sociais, tem se observado maior preocupação por parte dos pesquisadores em relatar os acontecimentos a partir de outro ponto de vista, que valorize a mulher como protagonista de sua própria história. Por muitos anos, os eventos passados foram narrados a partir de um ponto de vista machista, que calava a voz feminina. Ou, como a própria Virginia Woolf certa vez colocou: “por muito tempo na história, “anônimo” era uma mulher”. Mas as mulheres do passado falam, seja através de seus escritos, atitudes, criações, ou daquilo que disseram sobre elas. É preciso, portanto, fazer com que elas sejam cada vez mais ouvidas.
Qual rainha do seu livro, em sua opinião, é mais próxima da mulher contemporânea?
Não sei se poderia responder a essa questão sem correr o risco de parecer anacrônico, já que percebo cada indivíduo como fruto do seu próprio tempo. Mas, se fosse fazer uma comparação como essa, acho que eu responderia Margarida de Valois, a famosa rainha Margot. Ela teve uma vida bastante incomum entre outras princesas do século XVI.
Sobre qual rainha foi mais interessante escrever?
Eu poderia responder Ana Bolena, Mary Stuart ou Maria Antonieta, já que foi a partir delas que surgiu o projeto inicial do blog e do livro. Mas, durante o processo de escrita, me cativei bastante pela rainha Carlota Joaquina, uma mulher inteligentíssima, mas cuja figura permanece bastante estereotipada pela historiografia. Foi um deleite pra mim descobrir a face culta, corajosa e destemida da rainha Carlota.
E o próximo livro? Qual será o tema?
Tenho alguns projetos de livros para o futuro, ainda dentro dessa temática da História das Mulheres Coroadas. Mas, dessa vez, gostaria de adentrar mais na cultura africana e oriental. Estou caído de amores pela rainha Ginga da Angola e pela imperatriz Wu da China.
Quais outros projetos você tem em mente para o futuro?
Por enquanto, continuar tocando o blog pra frente e me dedicar aos meus projetos de pesquisa.