Isaac Bábel nasceu no dia treze de julho de 1894 em uma família ortodoxo-judaica em Odessa, durante o período do êxodo de judeus no Império Russo. Apesar do curto período de atividade literária, que chegou ao fim em Gulag, no dia 17 de março de 1941 (especula-se que teria morrido ao final de um interrogatório, em 27 de janeiro de 1940). Bábel foi autor de uma obra instigante e singular, que retratou com precisão sua época. Embora seus arquivos e manuscritos tenham sido confiscados e destruídos pela NKVD , sua escrita que é uma combinação de lirismo e violência que resiste,
trazendo aos dias de hoje contos grandiosos como “Guy de Maupassant”(1932).
Henri René Albert Guy de Maupassant, nascido em sete de agosto de 1850 e falecido em de Julho de 1893, foi um escritor francês, com predileção para situações psicológicas e de crítica social com técnica realista, cujos temas recorrentes como a reencarnação e a fantasmagoria, antecipam a literatura fantástica. Além de romances e peças de teatro, Maupassant deixou em torno de trezentos contos. “A Pensão Tellier” e “O Horla” podem ser considerados seus contos mais famosos.
Ainda na década de 1870, Maupassant mudou-se para Paris, onde obteve fama como contista e travou relações com grandes escritores realistas e naturalistas da época: Zola, Flaubert e o russo Turgueniev. De forma muito rápida, o autor conquistou o público francês e de outros países. Tendo sido, nos últimos anos do século XIX, um dos escritores mais lidos no mundo.
Porém, à medida que a riqueza e a fama bateram à sua porta, Maupassant teve uma profusão de casos amorosos. No entanto, a partir de 1874, a sífilis manifestou-se em seu organismo, ocasionando-lhe uma doença nervosa feita de angústias inexplicáveis e de alucinações. Em 1883, após algumas tentativas de suicídio, Maupassant morre aos quarenta e três anos de idade.
Na Rússia, o autor francês atingiu a um grande público e, entre seus leitores mais célebres, encontramos Bábel, que transfornou sua admiração em arte ao escrever o conto “Guy de Maupassant”, em 1932.
O conto que não pertence à “Cavalaria Vermelha” nem aos “Contos de Odessa”, suas obras mais conhecidas, foi traduzido para o Português por Nivaldo dos Santos e, em 2011, escolhido para representar a obra de Bábel na “Nova Antologia do Conto Russo”, organizada por Bruno Gomide.
Guy de Maupassant, o conto, é a envolvente história de jovem tradutor em dificuldades financeiras que é contratado para traduzir obras do Francês para o Russo, pela esposa de um rico comerciante judeu. Os laços entre a mulher e o jovem se estreitam à medida que juntos traduzem os contos de Guy de Maupassant. O conto é repleto de momentos em que o narrador protagonista comenta sobre os segredos de uma boa tradução, como no excerto abaixo.
“Nenhum ferro pode atravessar o coração humano tão friamente como um ponto final colocado no momento exato. ”
“Tentando conter o balanço dos grandes quadris, ela saiu da sala e voltou com uma tradução de “Miss Harriet”. Em sua tradução não restava nenhum vestígio da frase de Maupassant, livre, corrente, com um demorado sopro de paixão. Bendierskaia escrevia de um jeito enfadonhamente correto, sem vida e sem cerimônia, tal como os judeus escreviam antes em russo.”
“O trabalho não estava tão ruim como parecia. Uma frase nasce boa ou ruim a um só tempo. O segredo está numa virada quase imperceptível. A chave deve ficar na mão, ser aquecida. é preciso virá-la uma vez, e não duas.”
Um outro aspecto importante a ser considerado no conto é a sensualidade latente no relacionamento entre os dois tradutores, como podemos perceber a seguir:
“Ela escutava com a cabeça inclinada e os lábios pintados entreabertos. Um raio negro resplandeceu em seus cabelos laqueados, bem presos e repartidos. As pernas esmaltadas pela meia, com panturrilhas fortes e delicadas, estavam separadas sobre o tapete.”
“Eu me estiquei para Raissa e beijei seus lábios. Eles ficaram trêmulos e inchados.
– O senhor é divertido — murmurou Raíssa entre lábios e recuou.
Ela se encostou na parede, com os braços nus estirados. Pintas brilharam em seus braços e ombros. De todos os deuses crucificados, esse era o mais sedutor.”
Porém, de todos os aspectos do conto, o mais impressionante é o desfecho melancólico em que o tradutor descobre o final trágico do autor que tanto admira.
“Monsieur de Maupassant va s’animaliser.” (“O senhor Maupassant transformou-se num animal.”) Ele morreu aos quarenta e dois anos. Sua mãe sobreviveu a ele.”
“Li o livro ate o fim e levantei da cama. A névoa se aproximou da janela e cobriu o mundo. Meu coração ficou apertado. Um pressagio da verdade me roçou.”
“O presságio de verdade” que tomou conta do narrador é ainda mais nefasto se levarmos em conta a morte trágica de Bábel, anos depois. O conto uniu para sempre Guy de Maupassant e Isaac Bábel na tragédia e na arte.
Referências bibliográficas:
BÁBEL, I. A Cavalaria Vermelha. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1989.
GOMIDE, B.B. Nova Antologia do Conto Russo. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.
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MALARENKO, H. Isaak Bábel e seu diário de guerra de 1920. São Paulo, 2011.
MAUPASSANT, G. Contos Fantásticos. Porto Alegre: L&PM, 2011.
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Referências de imagem:
http://www.the-tls.co.uk/articles/public/guy-de-maupassant-day-to-day/
http://lounge.obviousmag.org/zoom_nas_visceras/2015/05/a-travessia-vermelha-de-isaac-babel.htm
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