Para que você vive? Para ser reconhecido pelo seu trabalho ou apenas para fazer um bom trabalho? Você precisa do reconhecimento para ser bom? O que nos torna artistas? Os outros ou nós mesmos? Essas são algumas questões que o filme nacional “Soundtrack” explora, trazendo uma brisa positiva e inovadora ao cinema nacional.
A obra conta a história de Cris (Selton Mello). Pouco se sabe do seu passado ou o que o levou até o Polo Norte e a imergir no vazio daquele infinito branco e cheio de gelo. Alguns cientistas que não queriam estar ali não conseguem compreender o porquê de ele estar gostando tanto daquele inferno gelado, o que provoca uma péssima primeira impressão. Cris vai para lá com uma única missão: fotografar o Polo Norte e gravar o som ambiente que ele estava ouvindo na hora foto, para que o público sinta a mesma sensação que ele na hora que a foto foi tirada.
Conforme a história vai se desenvolvendo, momentos se destacam por trazer áudios aleatórios que a principio não tem relação alguma com a trama. Como em um momento que um áudio de uma entrevista com o diretor Alfred Hithcock é colocado enquanto observamos cenas aleatórias do ambiente em que Cris chega.
“Sr. Hitchcock, qual a sua definição de felicidade?
– Um horizonte claro, nenhuma preocupação na vida. Somente coisas criativas e não destrutivas”
É nesse momento que como um quebra cabeça, as peças da trama vão lentamente se montando. Aliás, lento é o termo certo para descrever o filme , o que nem sempre é um sinônimo de algo ruim. “Soundtrack” precisa ter um ritmo mais devagar para que o telespectador caia de cabeça no universo que o filme quer construir. Fugindo um pouco das tramas estilo Blockbuster, que costumam ser aceleradas e cheias de efeito, o público precisa lidar e sentir o vazio que o Polo Norte e a cabeça de Cris transmitem, por isso sentimos que o primeiro ato da história demora para se desenvolver. Mas fique calmo, como falei acima, nem sempre isso é ruim. Pelo contrário, os personagens de Selton Mello e Ralph Ineson (Game of Thrones, Harry Potter, A Bruxa, Mogli, Guardiões da Galáxia e etc) são tão humanos e interessantes que você se alimenta do pouco que a trama te dá e busca cada vez mais sobre quem são aqueles seres e como suas visões diferentes podem dar tanto sentido para ambas as vidas.
De um lado temos homens da ciência e do outro temos um homem que quer transformar seus sentidos (visão e audição) em arte, mas ambos crêem que nunca serão reconhecidos em vida pelos seus trabalhos e diante desse pensamento é destrinchado outro tipo de questionamento: porque necessitamos de uma espécie de culto popular para nos sentirmos “artistas” ou profissionais de algo? Porque, por exemplo, Cris não poderia se sentir artista apenas por produzir algo para si? Até onde isso é uma realização e onde começa a ser egocentrismo ou uma prisão sistemática de que para ser é necessário dar?
Essa busca é demasiadamente discutida durante o filme. É aberta em diversas situações, na maioria das vezes é no momento exato em que um personagem não consegue se por na visão do outro. Enquanto Mark, um homem da ciência, vai trabalhar para algo que nunca verá o resultado, mas se contenta pelo fato de estar fazendo um bem para futuro e seguro que se lembrarão dele mesmo não sentindo esse reconhecimento de perto, Cris, um cara que passou por tantos problemas pessoais, não consegue ver esse posicionamento claramente e levanta muitas questões que o leva a um desenvolvimento surpreendente.
Outro ponto inteligente da trama é a sinopse e o título que nos dá a ideia de que o filme irá ter uma boa trilha sonora, com músicas que encaixem bem ao momento, mas é curioso que existe um vazio enorme na sua trilha sonora, mas isso é algo muito bom. Essa falta é totalmente autoexplicativa: Cris se sente em um vazio enorme e tudo é construído para sentirmos isso, inclusive, essa ausência de músicas marcantes.
Por fim, o filme é uma brisa fresca e uma novidade belíssima para o cinema nacional, mesmo que ao se finalizar de a sensação de que precisa melhorar por ainda faltar algo. Digo, o filme é muito bom e busca um viés inteligente por meio de seus atos e seus diálogos, mas em alguns pontos quer soar mais do que é e é aí que peca, além de alguns pontos pobres na sua edição. Mas vale muito ser assistido, para refletir e apreciar os personagens tão bem construídos e as ótimas atuações de Selton, Ralph e Seu Jorge.
Fonte da imagem:
Uau! Ainda não vi este filme e sua resenha me deixou louca para vê-lo. Obrigada!
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