OBRAS INQUIETAS 41. “O violinista” (1967), Oswaldo Guayasamín

Dentro do instrumento mora o sonho da música. Sem cordas, o violino não passa de uma caixa de madeira repleta de melancolia e de arranhões da época em que era jovem, exceto para o homem que o segura e, de olhos fechados, toca uma melodia invisível. Assim como o violino, o homem já passou por tempos melhores. Seus ossos quebradiços e a pele colada aos ossos revelam a fome do corpo, mas a expressão enlevada do rosto mostra que o seu espírito ainda brilha; a música que mora na sua memória é melhor do que a de qualquer outro instrumento, humano ou divino. Tiraram tudo dele, a sua roupa, a dignidade, a esperança, mas ainda existe música dentro do silêncio, ressoando nas cordas rompidas, espiando por entre os dedos que insistem em notas indiferentes. Uma lágrima discreta escorre, mas o homem está concentrado demais para limpá-la, perdido no fundo da recordação de um período da sua vida em que a música não estava confinada em um instrumento morto, mas solta e lampeira correndo pelo ar, brincando com a imaginação e com os sonhos dos ouvintes, agregando-se a eles e fazendo-lhes sorrir ou chorar. Dentro do devaneio, o homem pensa tocar o violino, mas é o objeto que maneja o artista, tirando as notas mais ardilosas e enigmáticas da memória daquele que um dia o dominou. Dentro da sua imaginação, a música é perfeita, e se despeja pelo mundo como o instrumento jamais conseguiria, e por isso o homem chora, tanto pelo o que perdeu quanto pela música que está enterrada para sempre no interior do seu corpo quebrado pela vida. Assim como há música sem som, também não é impossível que uma música imaginária seja mais forte do que a realidade, e não existe amor mais impossível do que o de um instrumento pelo seu musicista entristecido.

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