Em seu livro “Por Que Fazemos o que Fazemos”, Mario Sergio Cortella distingue a leitura automática de leitura rotineira. Para o autor, a leitura salutar seria aquela em que o conteúdo é absorvido de maneira atenta pelo leitor, ou seja, possível e presente geralmente quando o ato de ler já se trata de um hábito da pessoa. Nas suas palavras:
Na leitura, quando lemos de forma automática, chegamos ao pé da página do livro sem lembrar do que estava nas linhas superiores. Já a leitura rotineira é aquela em que você pega o material e vai lendo em sequência, procurando fruir. Quando você se distrai, é sinal de que ela se tornou automática.
Claro que a distração mencionada pode se dar por variadas razões, além de que o “não lembrar” daquilo que acabou de ser lido pode se tratar em realidade de uma não compreensão momentânea da mensagem ali presente, resultando na necessidade de uma releitura daquela mesma página – tantas vezes quantas forem necessárias para que o leitor consiga entender. Assim, se enquanto na distração a culpa pode ser atribuída à falta de atenção do próprio leitor, seja por não estar conseguindo se concentrar de maneira adequada na leitura, seja pela existência de distrações à sua volta (ambiente tumultuado, televisão ligada, celular ao lado que é conferido a cada instante…), na incompreensão momentânea o fator culpa pode não existir.
Com isso quero dizer que mesmo na leitura rotineira, a dificuldade de se entender determinadas obras, em suas páginas e passagens, pode surgir a todo o instante. Há obras mais fluidas, assim há livros mais complexos, ensejando na facilidade ou dificuldade no ato da leitura e compreensão do texto. Pode ser crível sustentar inclusive que a aparente dificuldade no ato de ler certos livros acaba sendo mais comum na leitura atenta, uma vez que o leitor está realmente preocupado em assimilar o conteúdo daquilo que lhe é transmitido em determinado livro, enquanto que no caso do leitor não contumaz, ou naquele que procede uma leitura automática, não há necessariamente essa preocupação. Caso não tenha entendido o parágrafo que acabou de ler, o leitor atento busca reler aquelas mesmas linhas até que compreenda o conteúdo ali exposto, ou ainda faz algum tipo de nota, mental ou escrita, para que busque posteriormente compreender a ideia que o autor buscou transmitir. Diferente é o leitor despreocupado, que, dada a leitura automática que efetua, não enxerga problema em se perder durante a leitura, ou nem mesmo percebe as incompreensões que surgem, virando página após página do livro sem que o conteúdo seja assimilado.
Creio então que a diferença estabelecida por Cortella é válida, porém, devendo se levar em conta as nuances que surgem nos tipos de leitura[1] e nos tipos de leitor[2]. Categorias são sempre úteis e necessárias, mas não se pode racionalizá-las ao extremo em desconsideração ao subjetivismo, à individualidade, às vicissitudes, às particularidades, enfim, ao modo único de ser de cada pessoa. É por isso que, num nível geral, pode se dizer que os leitores comportam uma divisão de acordo com os tipos de leitura aqui trazidos, ou seja, alguns estariam na categoria leitura automática e outros na leitura rotineira. Porém, ao mesmo não se pode dizer que todas as características pensadas e presentes em cada uma dessas categorias estariam presentes em todo e qualquer leitor que venha a estar situado numa delas. De todo modo, a divisão é interessante e merece crédito, atentando-se o leitor para que evite cair nas amarras da leitura automática.
Émile Faguet disse que para se aprender a ler, seria preciso ler bem devagar, quando em seguida, seria necessário ler bem devagar, e ainda sempre, até o último livro lido na vida, a leitura feita devagar seria condição necessária para uma leitura de fato. O autor defendia que “é preciso ler devagar um livro tanto para desfrutar dele quanto para se instruir ou criticá-lo”. Então pergunto: essa defesa de Émile possui relação com a divisão de tipos de leitura de Cortella? Ora, a leitura devagar pode ser feita tanto na leitura automática quanto na leitura rotineira. Émile Faguet clamou pela leitura devagar com o intuito de que toda leitura fosse de fato compreendida, bem absorvida, proveitosa – tal como na leitura rotineira de Cortella. Pondero apenas que há quem tenha um ritmo mais “acelerado” de leitura, sem que isso signifique que o ato de ler acabe sendo desatento por tal motivo. Desconfio apenas dos métodos mirabolantes, das leituras dinâmicas exacerbadas, das promessas fantasiosas do tipo “leia um livro de mil páginas em cinco minutos”. Esse tipo de coisa é balela – ou no mínimo criticável. Fora isso, entendo que o devagar da leitura vai depender de cada tipo de leitor. Uns leem mais rápido, enquanto outros leem vagarosamente. O importante mesmo é que a atenção e a vontade de compreensão estejam sempre presentes, evitando-se que a leitura rotineira se transforme em leitura automática.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
CORTELLA, Mario Sergio. Por Que Fazemos o Que Fazemos?: aflições vitais sobre o trabalho, carreira e realização. 2ª Ed. São Paulo: Planeta, 2016.
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FAGUET, Émile. A Arte de Ler. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
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Fonte da imagem:
[1] Mesmo porque existem leituras, leituras e leituras.
[2] Há leitores que suportam mais distrações durante a leitura, conseguindo manter a atenção mesmo em ambientes mais tumultuados, enquanto também existem aquele que precisam de um local calmo para que a leitura de fato se realize – tal como já foi aqui exposto.
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São tantas as coisas que nos tomam atenção, que até uma bula de remédio, merece uma leitura automática, ou ler o que está escrito, num produto de supermercado. Tudo é corrido e muito apressado. Ninguém é de ferro… procuramos nos premiar com leituras que gostamos, ou um programa na TV. Não fugimos ao que nos dá prazer: caminhadas, apreciar a natureza, ler poesias, e no face, artigos de amigos. Essas as leituras eu deixo para mais adiante. Uma hora, me vejo as lendo, isso se torna prazeroso que me dá vontade de comentar. E o que estou fazendo, nesse momento. Foi muito legal, ler e refletir, levo as sugestões para as próximas leituras. Obrigada.
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é um artigo poderoso e com bastante potencial. De facto, o habito de leitura é muito complexo. Saber como ler, antes de se aventurar a iniciar um livro, pode ser recomendado para o leitores principiantes. Eu comecei lendo mesmo e fui sentido esses dois tipos de leitura de que fala o artigo. é inevitável o lado automático da leitura durante a leitura. Diz-se que o cérebro te 14 000 000 de conecções ligados com todos membros do corpo, durante a leitura está tudo funcionando… já dei por mim lendo e rescrevendo mentalmente a passagem que lia, nem assim meus olhos paravam de percorer as entrelinhas…
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