Os artistas mais célebres do mercado da arte internacional invadem os monumentos históricos e os museus dedicados à arte “antiga” – nesse caso, o contrário de arte moderna ou contemporânea, ao invés de arte da Antiguidade. A pirâmide vidrada de Pei no Louvre, o polêmico Jeff Koons e Murakami em Versalhes, a FIAC (Foire International d’Art contemporain – Feira Internacional de Arte Contemporânea) no Jardim das Tuileries.
A Grande Pirâmide do Louvre do arquiteto Ieoh Ming Pei
Ballon Dog de Jeff Koons no Salão de Hércules, Palácio de Versalhes
Vincent Mauget, La somme des hypothèses (A soma das hipóteses), FIAC 2011, Jardim das Tuileries.
A França é somente um dos países no qual o fenômeno acontece; o qual eu abordo, pois é aquele que conheço melhor. A proposta de expor obras contemporâneas nos museus de arte tradicional não é nada nova. Delacroix, já no século XIX, havia decorado a antiga Galeria de Apolo no Louvre, seguido por Braque, que pintou o teto do quarto de Henrique II no mesmo prédio, e Chagall, com sua belíssima criação na Ópera de Paris, nos anos 60.
Les oiseaux (Os pássaros) pintado em 1953 por Georges Braque no quarto Henrique II no Louvre
Teto da Ópera Garnier por Marc Chagall, 1963.
Entretanto, esse fenômeno continua chocando os espectadores. E quanto mais tradicional é o museu, mais contemporânea e original é a obra, mais chocado será o público. Alguns museus, tais como o Louvre, expõe essas obras de maneira mais discreta, enquanto que outros, tais como o Palácio de Versalhes beiram ao exibicionismo.
Os artistas chamados para esse tipo de intervenção, seja ela de maneira permanente na arquitetura ou por meio de uma exposição temporária, geralmente são celebridades da arte internacional, principalmente quando se trata de monumentos e museus de grande fama e importância. Eles são maduros, às vezes até idosos, o que permite exposições retrospectivas de sua carreira, reafirmando assim seu renome, pois são famosos até mesmo entre o público leigo. A presença de artistas estrangeiros é marcante, assim como o preço elevado e o caráter extremamente contemporâneo, ou seja, nada tradicional, de sua obra.
Mas porque celebrar o talento de artistas consagrados em vez de promover o talento de jovens artistas? Segundo Jean-Jacques Aillagon, presidente do Domínio de Versalhes, essa função de promover artistas da nova geração seria dos centros de arte e dos museus de arte contemporânea. Os grandes museus nacionais dedicados à arte tradicional, então convidariam as celebridades internacionais para confrontar essas obras contemporâneas já conhecidas com aquelas antigas. Ele insiste que a comparação seria esmagadora, se artistas jovens fossem expostos.
Creio que a resposta é um pouco vaga, pois a mesma confrontação poderia acontecer com a exposição de obras de jovens artistas, se as criações fossem impactantes e de proporção geométrica equivalente ao museu. Muitas vezes, jovens artistas não podem criar obras monumentais simplesmente por falta de capital para realizá-las e espaço para criá-las e exibi-las. No final das contas, o visitante ordinário, como aquele bando de turistas que visita o Castelo de Versalhes, pode não conhecer o trabalho do visionário artista famoso e assim o confronto seria o mesmo.
Aqui acho que caímos em outros pontos: o da promoção e o do capital. Expor um artista famoso, uma vedette, como chamam os franceses, assegura uma grande midiatização da exposição, além da atração de um grande número de visitantes amantes da arte contemporânea que conhecem o trabalho do tal artista. Claramente, mais ingressos, catálogos e souvenirs de diversos tipos são vendidos.
Esse ponto de vista que expressei justificando a presença dessas vedettes é aquele de um diretor de museu, que segue a política cultural desse lugar. Outros museus podem ter outras justificativas, não digo que sejam irracionais, para a mesma questão, porém a reflexão sobre esses motivos ainda é válida.
Dentre os outros impulsos que levam a expor um grande artista, ou artistas contemporâneos, no geral, além dos já citados, ainda existe o tema do investimento na arte de nosso tempo, que novamente deve ser relativizado, pois criadores de grande fama possuem meios mais do que necessários para realizar sua arte. Veja bem, não estou dizendo que seja errado expor celebridades artísticas em grandes museus, eu adoro Chagall na Ópera e adoraria ter visitado a exposição de Jeff Koons em Versalhes. Aqui, só pretendo mostrar ao leitor como funciona esse tipo de proposta e relativizar algumas das justificativas para essas escolhas. O mundo da arte é em grande parte movido por influência pessoal e dinheiro, e isso é um fato, gostemos ou não.
Balloon Flower de Jeff Koons em Versalhes
Em relação à questão da difusão da arte e da democratização da cultura, creio que esse tipo de iniciativa seja realmente válida. Afinal, a arte contemporânea continua sendo um mistério para o grande público, que não a compreende bem e acredita frequentemente ser algo estranho e similar a desenhos de criança criados por malucos excêntricos. Não é bem assim. Um dos traços importantíssimos na arte contemporânea é o conceito, a ideia, o pensamento.
Expor criadores do nosso tempo em grandes museus estimula o visitante a entrar em contato com eles, questionar e quem sabe se interessar mais pelo tema e talvez até mesmo entendê-lo de alguma maneira. O artista contemporâneo também convidaria o visitante a conhecer uma nova face do museu, exatamente como quando o japonês Murakami se compara ao gato de Alice do País das Maravilhas guiando a menina por outro universo, em uma entrevista sobre sua mostra no Palácio de Versalhes.
Obra de Murakami na Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes.
Além disso, é uma maneira de tornar o museu antigo um lugar vivo e interativo, trazendo assim um público diverso, até mesmo jovem. Alguns estudiosos também relativizam esse ponto, alegando que exposições de arte contemporânea tendem, na verdade, a trazer uma elite culta e frequentemente participante ativa do meio da arte.
Dentre as críticas, se encontram aquelas do público tradicional de museus antigos, que visita o Louvre para ver a Mona Lisa e a Vênus de Milo e não quer encontrar nada “estranho” em sua peregrinação pela sabedoria centenária dos mestres do passado. Alguns visitantes vêm de longe somente pela sensação de viajar no tempo passeando pelos jardins de Versalhes e ver, por exemplo, um homenzinho sapo dourado gigante bem ali do lado da arquitetura clássica do château e seus jardins com o traçado impecável Le Nôtre pode ser um pouco perturbador e bem diferente da visão idílica que procuravam. Talvez seja uma questão de acostumar-se, somente. No caso da pirâmide de Pei, no Louvre, por exemplo, apesar de sua construção ter causado comoção entre os franceses, hoje ela faz parte integrante do museu, sendo um dos cartões postais preferidos dos turistas para selfies e fotos engraçadinhas.
Obra de Murakami nos jardins de Versalhes.
Alguns chegam até mesmo a falar em destruição do patrimônio através de obras permanentes tais como a pirâmide de Pei, já mencionada, ou, por exemplo, as Colunas de Buren, no Palais Royal. Além disso, segundo os críticos do fenômeno, os monumentos e museus já estariam perfeitamente terminados e não necessitariam de outros ornamentos, que custam um dinheiro que poderia ser empregado na restauração de parte degradadas do mesmo monumento ou de outros. Até mesmo petições e manifestações tentaram, sem sucessos, impedir instalações permanentes e temporárias em diversas ocasiões.
Colonnes de Buren no Palais Royal em Paris.
É incrível pensar que em pleno século XXI, após um século XX repleto de inovações e rupturas artísticas, o público continue tão chocado com a arte moderna e contemporânea. De um lado, os artistas tentam desesperadamente e com dificuldade, chocar e criar obras inovadoras que impressionem os grandes galeristas, críticos e colecionadores, em uma tentativa de “entrar para a História”. Do lado oposto, o público leigo se impressiona com a inovação de obras criadas há quase cinquenta ou mesmo cem anos.
Talvez o mundo da arte esteja sempre à frente de seu tempo e para a grande maioria dos homens, a criação de sua geração será sempre vista como degradante, estranha e destrutiva à arte do passado, essa última já aceita como parte do mundo e como dizem os franceses, ancrée dans les esprits – algo como enraizada nas mentes, nas almas.
As obras contemporâneas então estariam então cumprindo seu objetivo de bouleverser – perturbar – e tirar do centro seus espectadores, sendo a reflexão sobre nós mesmos e o mundo um dos objetivos primordiais da arte, em minha opinião.
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