OBRA DE ARTE DA SEMANA: ‘A virgem do Chanceler Rolin’ de Van Eyck


Jan van Eyck, A virgem do Chanceler Rolin ou Virgem de Autun, óleo sobre painel de madeira, 66x62cm, cerca de 1435. Conservada no Musée du Louvre, Paris, França.

A virgem do Chanceler Rolin ou Virgem de Autun foi encomendada por Nicolas Rolin, chanceler do Duque de Borgonha, Filipe, o Bom, para ornar a capela de São Sebastião na Notre-Dame-du-Châtel em Autun, cidade na qual nasceu o chanceler em uma família humilde. Ele havia sido batizado na igreja, na qual também repousavam os restos mortais de seus antepassados.

Nicolas Rolin é representado em vestes elegantes com as mãos juntas e um livro de oração sobre seus joelhos. Ele olha para a Virgem, que esta sendo coroada por um anjo – estamos afinal diante de uma pintura criada para ornar uma capela em uma igreja dedicada a Nossa Senhora, não é? – e lhe estende o menino Jesus, que por sua vez o abençoa com a mão direita e segura um globo, símbolo de seu poder sobre a criação, na mão esquerda. Além das vestes das personagens, o salão também é ricamente decorado, com pavimento detalhado, colunas finamente esculpidas e vitrais. Através da pintura, o chanceler mostra não somente sua devoção, mas também sua importância e posição social na corte do duque.

Trata-se de um exemplo de “santa conversação”, na qual o comanditário da obra se encontra na mesma cena de figuras santas, representando assim a realidade espiritual, o diálogo estabelecido pela oração e pela devoção. Jan van Eyck foi um dos artistas que contribuiu a colocar em voga esse tipo de representação que se tornou bastante frequente, sobretudo na pintura italiana.

Ainda é interessante notar uma das características principais de Van Eyck, e dos primitivos flamencos, de um modo geral, que é o gosto pelo detalhe. Suas pinturas possuem detalhes minuciosos impressionantes, possibilitados em parte pelo uso da tinta a óleo, a qual o artista foi um dos primeiros a usar. O óleo também faz com que as imagens sejam mais luminosas, com camadas semitransparentes sobrepondo-se, criando assim imagens mais realistas, como podemos ver nessa obra. Através dos detalhes, podemos “ler” informações importantes para o entendimento do significado da obra, por exemplo, as esculturas nos capitéis dos pilares sobre a cabeça do chanceler que mostram cenas do Antigo Testamento que evidenciam os erros humanos, tais como a Expulsão do Paraíso e trechos das histórias de Caim e Abel e de Noé. A localização das pequeninas cenas é crucial, já que a obra é composta seguindo as três aberturas da janela ao fundo: de um lado, o chanceler e os pecados humanos, com um bairro modesto sendo mostrado através da janela, e do outro as figuras santas e, ao fundo, construções maiores e imponentes, inclusive uma grande igreja gótica, para a qual minúsculos personagens se dirigem. A perspectiva empírica da composição converge para a arcada do meio.

Ainda quanto aos detalhes, a paisagem que vemos ao fundo, através da janela, é muito realista e repleta de pequenos elementos, uma obra-prima por si só. Além dos importantes significados da paisagem para a divisão da composição entre o espaço do comanditário e o espaço das figuras santas, temos o jardim no terraço do palácio do chanceler, com rosas e lírios que simbolizam as virtudes da Virgem, e ainda os pavões próximos aos homenzinhos de costas, olhando o rio, que podem representar tanto imortalidade, quanto orgulho ao qual poderia sucumbir um homem tão importante. Inclusive, um dos homenzinhos usa um turbante vermelho parecido com o que usa o homem no representado pelo artista no Retrato de um homem, o qual poderia ser um autorretrato. Estaria assim Van Eyck assinando visualmente sua obra, assim como fez se retratando no espelho no Retrato do casal Arnolfini?


Jan van Eyck, Retrato de um homem (Autorretrato?), óleo sobre painel de madeira, 25,5x19cm, 1433. Conservada na National Gallery, Londres, Reino Unido.


Jan van Eyck, Casal Arnolfini, óleo sobre painel de madeira, 82,2x60cm, 1434. Conservada na National Gallery, Londres, Reino Unido.


Detalhe do Retrato do casal Arnolfini.

Sobre a questão da assinatura, o artista geralmente assinava suas obras em latim, assim como vemos no Retrato de um homem, na moldura do qual está escrito “JOHES DE EYCK ME FECIT ANO MCCCC.33. 21. OCTOBRIS” – “JAN VAN EYCK ME FEZ EM 21 DE OUTUBRO DE 1433”-, ou sobre o espelho no quadro dos esposos Arnolfini, onde há a frase “Johannes de eyck fuit hic 1434”- Jan van eyck esteve aqui 1434”. A moldura da obra estudada, que provavelmente continha a assinatura do artista e o ano exato de sua execução, foi perdida quando da sua transferência ao Louvre, em 1793, quando da destruição da igreja para qual foi criada, durante a Revolução Francesa.


Detalhe da pintura do casal Arnolfini.

Bibliografia:

Daniel ARASSE, Le sujet dans le tableau : Essais d’iconographie analytique, Paris, Flammarion, 2008.

Luca BACHECI, Emanuele CASTELLANI, Francesca CURTI, Les chefs d’oeuvres du Musée du Louvre, Paris, Éditions Place des Victoires, 2009, p. 110-115.

Jean-Claude FRÈRE, Primitifs flamands, Paris, Terrail, 2007.

Guillaume KAZEROUNI, “La vierge du Chancelier Roulin” in Louvre, [Online]. Consultado em 02/07/2018.
https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/la-vierge-du-chancelier-rolin

Fontes das imagens:

commons.wikimedia.org/wiki/File:Virgin_with_Chancellor_Rolin-Detail.jpg

commons.wikimedia.org/wiki/File:Jan_van_Eyck_070.jpg?uselang=fr

en.wikipedia.org/wiki/File:Portrait_of_a_Man_in_a_Turban_(Jan_van_Eyck)_with_frame.jpg

en.wikipedia.org/wiki/File:Van_Eyck_-_Arnolfini_Portrait.jpg

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